domingo, agosto 29, 2010

Os sinais do novo

Olhava no espelho e não se reconhecia. Estranhava o corpo, os seios com formas perfeitas. Preferia assim, mas incomodava-se. Onde estavam as dobras e as estrias adquiridas após cada um dos partos? Era como se parte da sua vida tivesse sumido. Não sabia mais quem era. Aqueles peitos não pareciam ter alimentado três meninos. Eram seus?
A cirurgia plástica havia sido sua escolha. No entanto, agora, perguntava-se a cerca de sua motivação real. Até que ponto deixara-se influenciar pelas amigas, pelas mulheres da academia, pelos comentários do marido? Não podia voltar atrás, mas teria que descobrir essa pessoa com quem se deparava no espelho. Além da nova aparência, estava a sua essência, sem dúvida, mas precisava reencontrá-la.
Precisava juntar a alma aquele corpo, de onde apagara as marcas do tempo e da vida. Era só um corpo, certo? Uma pequena parte de sua existência tão ampla. Precisamente, por isso, incomodava-se. Uma transformação estética tão grande, que exigira-lhe meses de economias e muitas dores. Para que tanto, se agora não sabia quem era?
Sempre ouvira dizer que mudanças deveriam ser bem-vindas, mas, as únicas mudanças que conhecera, não havia escolhido. A morte dos pais, da tia querida, os desencontros amorosos, a perda do emprego de muitos anos, o afastamento da melhor amiga: nada disso fora sua escolha. Sempre deixara-se conduzir pela vida. Adaptava-se bem às situações. Ou será que se acostumava? Não seria essa também uma forma de adaptação?
Com o corpo tinha sido diferente. Optara, ela própria, por um novo corpo. Juntou suas economias; visitou alguns médicos por indicação de amigas; escolheu aquele que inspirou mais confiança; fez os exames pré-operatórios; definiu o tamanho da prótese, o dia e a hora da cirurgia; contratou a enfermeira que a acompanharia; informou ao marido, espantado com a decisão da mulher. E agora estava em frente ao espelho, olhando cada uma de suas curvas, sem saber o que fazer com essa nova mulher que desenhara.
Jamais compartilharia essas dúvidas com alguém. As amigas achariam-na louca, afinal, havia remoçado uns 15 anos, no mínimo. Já o marido, satisfeito com a nova mulher que se deitava diariamente em sua cama, não alcançaria a sua angústia. Restava-lhe entender a mudança. Aceitar a beleza recuperada e continuar perguntando-se quem era e onde estava, para jamais perder-se de si mesma.
Respirou fundo. Sabia que as mudanças, fossem quais fossem, apontavam novos caminhos e, talvez, só talvez, estivesse aí a origem desse incômodo. Tinha medo do que estava por vir. No íntimo, sabia que o corpo era só um corpo, mas, juntos e novos, ventre e seios alimentavam outras histórias. A decisão da cirurgia havia sido um sinal. Comemorava que, pela primeira vez em muitos anos, tivesse conseguido tomar uma atitude tão importante, muito além das compras do supermercado. E agora? O que aconteceria depois? Nunca mais seria como antes. Seu corpo falava por si. A alma agradecia-lhe e abraçava-o. A motivação? Estava muito além das amigas e do marido.

2 comentários:

Li Balbinno disse...

Você está surpreendente! Posts excelentes. Adoro sua bravura para repartir angústias.
Precisamos nos encontrar! Saudades de você em carne e osso!
Bjs amiga querida!

Mônica Alvarenga disse...

Repartindo ficamos mais fortes; encontramos pares! Beijo.

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