sábado, outubro 30, 2010

Solidão? Cuidado, isso pode ser outra coisa!

Acordei querendo colo. Um sentimento que parecia uma solidão sem fim. Justifiquei-me, para mim mesma, com a ideia de que estar ao lado de alguém naquele momento era uma necessidade genuína, já que, de fato, poucas vezes estivera sem a companhia de alguém. Nem sei exatamente o que desejava, se desabafar, estar com uma pessoa amiga ou um companheiro, segundo aquela ideia romântica de que uma figura masculina pode dar conta das nossas questões. “Isso é falta de chamego”, pensei.
Tentei mudar a sintonia da minha energia. Mergulhei nos trabalhos que precisava terminar, o que me deixou bastante envolvida e motivada. Depois, fui dar uma corrida na praia. Sozinha diante do mar, chorei, aceitei e acolhi minha tristeza e me senti mais forte. Passou. Como tudo o mais na vida. O tempo não para e não há o que não passe. De uma forma ou de outra, tudo pode ficar pra trás, se lá deixarmos.
Conversando sobre o assunto com um amigo, fiquei surpresa ao descobrir que ele nunca se sentira assim e julguei-me: “solidão é para os fracos”, sendo, mais uma vez, exigente comigo mesma. Ele contou-me que poucas vezes ficara sem namoradas, mas que, quando isso acontecia, gostava do que sentia e da possibilidade de estar consigo. Descreveu-me algumas situações que tinha experimentado. E eu pensei que também me sentia assim: adoro os amigos, a família, mas sempre gostei muito das ocasiões em que posso estar comigo. Realmente, não tenho problemas em estar só.
Foi aí que me dei conta da real causa daquele sentimento que me entristecera. Eu estava só de mim. E se isso não fizer sentido, eu explico: quando estou inteira comigo, bem conectada à minha essência, que é aquilo que eu tenho de mais genuíno (e divino), não me sinto só. Não quero caminhar pela vida sem a companhia do outro, mas a verdade é que esse sentimento jamais me incomoda, se estou plena em mim. A solidão que sinto é o afastamento de mim mesma; este, sim, um movimento que desejo muito evitar. A companhia dos amigos é muito bem vinda, mas é mais prazerosa quando sei bem quem sou, o que quero e permaneço bem acompanhada de mim mesma. Isso não é solidão, deve ter outro nome!

segunda-feira, outubro 25, 2010

Meu direito ao não-voto

Fui criada em meio à política. Minha família era representante de uma corrente política tradicional no bairro onde morava, na Zona Oeste do Rio. Desde pequena, participava dos movimentos de campanha e de conversas sobre os rumos do bairro, da cidade e do país. Participante ativa dos movimentos sociais da Igreja Católica, estudante de jornalismo, militante política... A motivação era sempre o desejo e a crença de poder transformar o mundo, através da minha contribuição pessoal. E esse movimento era tão forte, que aspirava candidatar-me a um cargo eletivo.
Não sou mais militante, não faço discursos inflamados, respeito toda e qualquer opinião alheia e diversa, continuo acreditando que cada um de nós pode contribuir para um mundo melhor; mas essa introdução toda é pra justificar – como se precisasse – que, nesta eleição, exercerei meu direito de não-voto! Neste momento da minha vida, quando concentro esforços para alinhar desejos, discursos e práticas, transformando-me em uma pessoa mais inteira, não acho justo me obrigar a apoiar alguém que me causa repulsa e indignação pela oratória vazia, pela falta de respeito por si mesmo e pelos outros e pela incoerência de atitudes. Não quero um nem outro! Sei que um dos dois assumirá a gestão do País, com sua equipe, indiferente à negação do meu voto, mas não quero me sentir (e não serei) cúmplice.
No fundo, ainda pairam sobre mim os resquícios do meu próprio discurso de anos atrás, quando acusava aqueles que se abstinham de votar de abrirem mão de seu papel no processo democrático. Hoje, estou mais complacente, com os outros e comigo mesma. Sei que a democracia não me obriga a compartilhar, e assinar embaixo, através do voto, pensamentos de que discordo e que ferem alguns dos meus princípios mais caros. Não acredito, sinceramente, que aqueles que não respeitam a si mesmos, possam ser capazes de me respeitar. E é o que tenho visto, tristemente, ao longo da campanha.
A democracia deve comportar também pessoas que não desejam participar do processo eletivo, seja porque motivo for. Não se promove consciência política através do voto obrigatório e temos comprovado isso com os resultados das eleições em todo o País. Portanto, não voto, em paz com a minha consciência, mas triste pelo rumo da política brasileira.

terça-feira, outubro 19, 2010

Tempo para conversar

Falta de tempo não pode ser um muro capaz
de impedir o aprofundamento humano
(Quadro de Eliane: www.corearte.com)
Eu pedi notícias, ao que ele respondeu, no dia seguinte, quando sequer lembrava da pergunta: “o céu está cinza, o transito caótico e a agenda cheia”. A simplicidade dessa “conversa” me fez dialogar comigo mesma. Que tipo de pessoa pede a alguém com quem troca mensagens com alguma frequência que mande notícias? Eu me respondi: alguém que está carente de boas conversas, daquelas em que a alma se esparrama sem medo, sem defesas, sem vergonha.
Assustei-me diante dessa constatação e, continuando meu diálogo interno, pensei nos amigos que me cercam, na falta de tempo de encontrar alguns deles para um almoço, na dificuldade em compreender o que o outro tem a dizer quando há divergência de pensamentos, e no quanto guardo pedaços de mim quando acho que não serei acolhida. De fato, para a alma se esparramar, é preciso um ambiente propício, construído com amor, confiança e respeito mútuos. Pensando bem, devo estar precisando disso mesmo.
Não bastasse a falta de tempo, que dificulta os bons encontros, como a colocar-nos diante de provas que tornam os momentos de boas conversas ainda mais preciosos; há ainda alguma outra coisa que faz como que esses ambientes, onde a alma pode se despir, tornem-se cada vez mais raros. Não adianta atribuir toda a culpa ao tempo. Há alguma coisa a mais, que ainda não sei exatamente o que é, que faz com que as almas não se toquem. Os cumprimentos efusivos são permitidos, todos somos amigos, mas nada além disso.
Não sei descrever com as palavras, mas sei muito bem quando estou diante de uma dessas possibilidades. Posso dizer que não sinto medo de falar. Também sinto vontade de ouvir, assumo as minhas diferenças sem receio de parecer indelicada, escuto as observações divergentes sem me sentir rejeitada. E isso não é fácil. Mesmo para quem discorre sobre suas próprias emoções em um espaço público como um blog. Há sempre partes de nós que permanecem trancadas, até encontrarem espaços propícios para se revelarem. E, quando se destrancam, surpreendem até seus próprios guardiões. Está certo, não vou culpar o tempo, mas vou negociar com ele uma forma de passar mais tempo com meus amigos.

segunda-feira, outubro 18, 2010

Sinal Fechado

* Uma homenagem a quem amo! Porque o tempo tem sido o maior obstáculo ao cultivo de bons relacionamentos.
Chico Buarque
Composição: Paulinho da Viola
 
– Olá! Como vai?
– Eu vou indo. E você, tudo bem?
– Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E
você?
– Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranqüilo...
Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é, quanto tempo!
– Me perdoe a pressa - é a alma dos nossos negócios!
– Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos...Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é...quanto tempo!
– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das
ruas...
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
– Por favor, telefone - Eu preciso beber alguma coisa,
rapidamente...
– Pra semana...
– O sinal...
– Eu procuro você...
– Vai abrir, vai abrir...
– Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
– Por favor, não esqueça, não esqueça...
– Adeus!
– Adeus!
– Adeus!
 

domingo, outubro 17, 2010

Que a força esteja com você!

A frase ficou famosa em Guerra nas Estrelas, mas ela está em nosso dia a dia; a força está com todos nós. Sem nenhuma pretensão, afirmo: somos deuses ou, se soar melhor, centelhas divinas. Temos um poder ilimitado de curar-nos, de interromper velhos hábitos que não nos fazem bem, de atingirmos os objetivos mais complexos que traçamos para nós mesmos. Somos, sim, muito mais do que parecemos. O problema é que nem sempre acreditamos em nosso potencial. Desde muito pequenos, escutamos frases limitantes, advertências e conselhos capazes de impedir-nos alguma ousadia ou desatino. “Pra que correr riscos, meu bem? Mas vale um pássaro na mão que dois voando. Ninguém troca o certo pelo duvidoso.” Quem de nós nunca escutou frases semelhantes?
Eu escutei e, durante muito tempo, gravei-as e repeti para mim mesma. Até hoje, peço licença, como no início desse texto, para afirmar minhas crenças. Por favor, você me permite acreditar que eu sou parte de algo maravilhoso, dotada de um potencial inesgotável de realização? E se você me permitir, também lembrarei isso a você e a quem mais quiser ler esse texto.
Tenho certeza de que só nos falta acreditar, mesmo! Digo isso por experiência própria. Tenho experimentado e compartilhado mudanças em minha vida a partir da substituição de velhos padrões de crenças. E se não consigo mais é porque, com mais frequencia do que desejo, escorrego e me vejo enredada nas minhas crenças limitantes. E lá vou eu reclamar da vida, das impossibilidades e de perdas que não assimilo.
Por isso, eliminei a palavra “desistir” do meu caminho e, se choro hoje, sei que poderei rir amanhã. Essa alternância só depende de mim, exige esforço e persistência, mas está ao meu alcance. E eu quero cada vez mais. Há quem me olhe com desconfiança quando digo que busco a felicidade. Na realidade, eu sei que essa busca não me assegura lugar no paraíso, não me torna mais capaz ou mais forte do que ninguém, mas descobri que não existe prazer maior do que comemorar os sucessos cotidianos, frutos de esforços contínuos. E eles podem ser tão simples quanto o término de um livro, um papo com um filho, o início de uma dieta adiada há muito tempo ou um almoço com amigos queridos. Afinal, toda grande jornada começa com um primeiro passo, não é?

sábado, outubro 16, 2010

De que cimento sou feita

De que somos feitos? Penso no cimento e nos tijolos que me constituem. Se fosse me comparar a uma obra, seria um prédio de comunidade, daqueles que vão subindo aos poucos, de acordo com as necessidades e os recursos de seus moradores. Muitos puxadinhos, material doado por um e por outro, diferentes tipos de tijolos, uma janela de cada jeito, uma parte da parede faltando emboço. E dentro? Dentro haveria sempre água no fogo e ervas frescas para um chá, café passado na hora (porque café coado tem muito valor!), um bolo de milho para servir aos amigos e um pãozinho saído do forno. Pronto, está compensada a rusticidade da fachada!
Mas o desalinho da construção – metáfora de mim mesma – tem o seu porquê. É que cada pessoa que encontro, cada acontecimento, acrescentam algo a essa construção permanentemente inacabada. Se parte de mim desmorona, é para dar lugar a algo mais bonito e maior. Há pessoas que passam por processos de demolição, para depois se reconstruirem inteiras, com uma fachada imponente, bem desenhada. Todas as construções têm sua beleza, mas, em todas elas, há lá um alicerce do qual não se desfaz. Ele também foi construído ao longo dos anos, porque ninguém nasce pronto e não fazemos sozinhos nossas bases ou a de nossos filhos.
Há pessoas que estão lá, no fundamento de nós mesmos. Sem desmerecer os muitos amigos que colecionei ao longo da vida, tenho uma amiga cuja vida está tão entrelaçada à minha que, mesmo passando por total restauração, o meu prédio da vida ainda a conservaria. Ela deve estar lá no tal do alicerce, muito bem amarrada entre ferros e concretos.
Não somos parecidas. Na verdade, somos tão diferentes que, depois de casadas, não conseguimos mais viajar juntas. Uma vez encontramo-nos, por acaso, em Visconde de Mauá, um lugar que adoramos desde a adolescência. Ela com sua família, eu com a minha. Ela acampada, eu em hotel. Nem assim conseguimos ficar juntas: quando nos encontrávamos, seu grupo estava indo tomar café da manhã, enquanto o meu se preparava para almoçar. Diferenças de fuso horário. Ela pariu meninas, eu pari meninos. Ela meio cética, eu uma crente. Ela adora Natal e enfeita cada canto da casa com bichinhos, monta três árvores; eu, se pudesse, não montava uma.
A lista é grande... mas nada do que mencionei tem peso algum. Não sei se por antiguidade (ela está lá no meu alicerce, lembra?), mas o que nos une é um amor tão grande que supera tudo. É a pessoa de todas as horas, de todas as intimidades, de todos os desvarios, para quem tudo pode ser confessado. Não nos vemos sempre, mas falamos uma com a outra todos os dias.
Por tudo isso, agora, vendo-a hospitalizada, senti um tremor. É um terremoto que atingiu o alicerce do meu prédio. Balançou, mas não cairá! Porque ela sempre estará no lugar onde sempre esteve: na composição de mim.

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
     Pilar da ponte de tédio
     Que vai de mim para o Outro.
Mário de Sá Carneiro
(Lisboa, fevereiro de 1914)

quarta-feira, outubro 13, 2010

De mãos dadas

Quando o telefone tocava, havia uma novidade. Fosse a roupa nova, o ficante que tinha passado a namorado, o convite pra uma festa, a amiga que havia desaparecido, o namorado da outra com uma outra, numa lista interminável de coisas importantes. O tempo passa, coisas importantes vão sendo substituídas por outras coisas que dizem ser mais importantes e algumas amizades de adolescência vão sendo relegadas à condição de lembranças. Quando eventualmente há um encontro, faz-se uma pausa para o inevitáveis “você lembra” e, depois, a vida segue seu rumo.

O pequeno pode parecer grande, dependendo do enfoque
Alguns desses encontros, no entanto, merecem mais do que uma pausa. Dá-se uma oportunidade para o resgate, não do passado, mas das possibilidades do presente e do futuro. Nesses momentos, mais do que ataque de saudosismo, o que passou serve para reaproximar velhos amigos e criar novas oportunidades de relacionamento para ambos. A alma fica aquecida quando envolta por uma amizade de tempos atrás.

Retomar velhas amizades, poupa-nos os descaminhos e as inseguranças de uma nova relação. Facilita revelações, o compartilhar das angústias íntimas e das alegrias mais genuínas. É mais fácil confessar medos como, por exemplo, aqueles que aparecem a cada nova esquina que surge à nossa frente. Sabemos que devemos avançar, mas o temor diante daquilo que virá nos faz paralisar. Imaginamos um lugar escuro e aterrador, para não ter que enfrentar o novo. Esquecemos, muitas vezes, que, do outro lado, pode estar um dia lindo e ensolarado. Imaginamo-nos sós, quando, além daquele ponto, podemos encontrar outros velhos amigos e alguns novos podem se juntar a nós.

É por isso que hoje me imaginei de mãos dadas com uma velha amiga. Temos uma nova esquina à frente e um medo enorme daquilo que está por vir, mas, de mão dadas, fica muito mais fácil. Fechei os olhos e vi o sol nascendo depois dessa esquina. Não pensei em uma nova rua, mas em uma cidade inteira cheia de encantos para serem desvendados. Cenas para serem fotografadas. Vamos? De mão dadas, é possível enfrentar o medo que nos parece tão gigante, encarar os fantasmas que criamos e chegar aos lugares que sonhamos.

segunda-feira, outubro 04, 2010

O Silêncio dos Índios

Nós os índios conhecemos o silêncio.
Não temos medo dele.
Na verdade para nós ele é mais poderoso
do que as palavras.

Nossos ancestrais foram educados
nas maneiras do silêncio e eles
nos transmitiram essa sabedoria.
"Observa, escuta e logo atua" nos diziam.
Esta é a maneira correta de viver.

Observa os animais, para ver como cuidam de seus filhotes.
Observa os anciões, para ver como se comportam..
Observa o homem branco para ver o que querem.
Sempre observa primeiro com o coração e a mente quietos
e então aprenderás.

Quando tiveres observado o suficiente então poderás atuar.
Com os brancos é o contrário.
Vocês aprendem falando.
Dão prêmios às crianças que falam mais na escola.
Em suas festas todos tratam de falar.
No trabalho estão sempre tendo reuniões
nas quais todos interrompem a todos
e todos falam cinco dez cem vezes.
E chamam isso de "resolver um problema".
Talvez o silêncio seja duro demais a vocês
porque mostra um lado que não quereis ver.

Quando estão numa habitação e há silêncio ficam nervosos.
Precisam preencher o espaço com sons.
Então falam compulsivamente
mesmo antes de saber o que vão dizer.
Vocês gostam de discutir.
Nem sequer permitem que o outro termine uma frase.
Sempre interrompem.

Para nós isso é muito desrespeitoso
e muito estúpido inclusive.
Se começas a falar eu não vou te interromper.
Te escutarei.
Talvez deixe de escutar
se não gostar do que estás dizendo.
Mas não vou te interromper.

Quando terminares tomarei minha decisão
sobre o que disseste, mas não te direi se não
estou de acordo a menos que seja importante.
Do contrário simplesmente ficarei calado
e me afastarei.
Terás dito o que preciso saber.
Não há mais nada a dizer.

Mas isso não é suficiente para a maioria de vocês.
Deveríamos pensar nas palavras
como se fossem sementes.
Deveriam plantá-las e permiti-las crescer em silêncio.
Nossos ancestrais nos ensinaram que
a terra está sempre nos falando e que devemos ficar em silêncio para escutá-la.
Existem muitas vozes além das nossas.
Muitas vozes.
Só vamos escutá-las em silêncio.
"Não sofremos de falta de comunicação
mas ao contrário sofremos com todas as forças
que nos obrigam a nos exprimir
quando não temos grande coisa a dizer".

(Sabedoria indígena)
Fonte: http://pensandozen.blogspot.com/

domingo, outubro 03, 2010

“Mãe, você vai pro cinema sozinha? Que coisa mais sem graça...”

Desde minha adolescência vou a cinemas sozinha. Era muito difícil arranjar companhia pra todos os filmes que eu queria ver. E, naquela época, eram quase todos mesmo. Os meninos ainda acham estranho, mas ninguém queria ver “Comer, rezar e amar” comigo. Ainda bem. Saí do cinema com a certeza de que, naquele momento, eu era a minha melhor companhia. Distribuía sorrisos, de tanta felicidade.
Tudo bem que tinha o Javier Bardem, impecável com uma aparência de bad boy e um jeitinho “mais doce impossível”. Mas não era por isso que eu sorria! O motivo era muito mais nobre, pelo menos pra mim. Ganhei o livro logo que ele foi publicado no Brasil. Durante a leitura, chorei muito. A identificação foi imediata, as angústias da escritora eram as minhas. A frase inicial do livro ecoava na minha cabeça. Não sabia quem era, o que queria, para onde ia... A única certeza que tinha é que havia algo errado e há muito tempo.
Ao ver o filme, não derramei uma lágrima. Cheguei a me entediar em alguns momentos e o que me fez chorar anos antes, agora me fazia rir. Pra quem chora com desenho animado, isso quer dizer muita coisa. Sorria ao perceber que aquelas páginas já tinham sido viradas, que eu já tinha respondido a muitas das perguntas que me torturavam à época em que li o livro. Precisei de um bom tempo pra adquirir a coragem de mudar, mas, depois que dei o primeiro passo, os outros foram acontecendo naturalmente. Como a autora, precisei de muita atitude, ajuda e compaixão.
Livro e filme fazem muito sucesso. Como eu, milhões de pessoas identificaram-se com a história, mas muitos ainda vão chorar com o filme. Acharão que aquela é uma realidade que não lhes pertence, coisa de cinema. Hoje eu sei que mudar é possível. Sair da zona da conforto para abandonar antigas estruturas, tem percalços, dificuldades, lágrimas, dúvidas; mas isso tudo é absolutamente NADA perto do prazer de recobrar a essência da própria vida. Não é por acaso que o funcionário do guarda-móveis onde a personagem deixa tudo o que é seu, antes da viagem que originou o livro, diz, diante do lamento de que toda a sua vida cabia em um pequeno depósito:
“Acredite, muitas pessoas jamais voltam pra pegar sua antiga vida de volta.”
Mudar não significa deixar de chorar. Pra mim, a cada dia aparecem novos desafios, desejos, a possibilidade de me acomodar. As questões que me aproximaram da autora, passaram! Em seu lugar, surgiram outras perguntas; mas surgiu, também, uma outra mulher e ela estava lá no cinema ontem, assistindo ao filme, muito orgulhosa de si. E feliz!

sábado, outubro 02, 2010

A mulher e o vestido

Viu o vestido na vitrine. Há muito tempo seus olhos não brilhavam assim. O corte, as cores... tudo parecia perfeito para ela. Ali, parada, perdeu a noção do tempo, observando cada linha, cada detalhe. Ele era longo, num tecido leve e esvoaçante, sem a cintura marcada, mas com um decote que deixava colo e ombros à vista. As cores? Havia todas, com nuances de laranja que ela adorava. Sentiria-se livre, linda, naquela roupa.
Havia muito tempo que não parava em frente a uma vitrine. Ultimamente, nada parecia ter muita graça. As cores eram iguais; as roupas, também. Entrava e saía das lojas que mais gostava e nada lhe agradava. Não que estivesse com dinheiro sobrando para gastar, mas testava-se. Queria saber se teria aquela vontade de vestir as roupas da moda, a paciência para experimentar no provador todas que poderiam lhe cair bem para, no final, comprar uma ou nenhuma. Passava pela lojas de sapato, seu ponto fraco. Afinal, sapatos não revelam gordurinhas indesejáveis, não evidenciam as marcas do tempo no corpo, parecem alheios às transformações da mulher. Talvez por isso não lhes resistisse. Mas nem eles seduziam-lhe.
Não gostava de sentir-se assim. Sabia que havia momentos da vida em que o recolhimento era necessário, um pouco de tristeza, inevitável; mas daí a deixar de perceber as cores da vida há grande distância. Por isso, encantara-se com o vestido. Encantava-se, na verdade, com o seu sentimento diante dele. Quem passava pela rua, via apenas mais uma mulher, entre tantas que param para olhar vitrines de lojas de roupas; mas, se olhasse bem, conseguiria captar algo mais: havia nela, naquele instante, um brilho que a diferenciava das demais.
Entrou na loja. A alegria e o encantamento eram tão seus que se contiveram elegantemente no íntimo da jovem senhora. A vendedora atendeu-a com simpatia e, quando perguntou se poderia ajudá-la com algo em especial, ela disfarçou. Fez de propósito. Queria usufruir mais desse sentimento, prolongá-lo o quanto pudesse. Talvez, ele estivesse inaugurando uma nova fase da sua vida. Disse que gostaria de olhar as araras e ficou o quanto quis admirando cada peça de roupa exposta. Algumas, tirava do cabide e colocava diante de si, olhava no espelho e pensava que nenhuma delas lhe ficaria tão bem quanto aquele vestido. Finalmente, tocou-o. Sentiu com os dedos a maciez da seda, imaginou-o no seu corpo. Pediu para experimentar, num tom de voz tão blasé que nem uma vendedora muito experiente poderia imaginar o que lhe ocorria.
Entrou na cabine com o vestido nas mãos, como se fosse ter um encontro secreto. Admirou-se no espelho. Gostava de seus ombros, definidos, abertos para o mundo. Imaginou-se com asas e voou por sua própria vida. Sentiu-se uma bela mulher. Sim, agora tinha certeza de que aquele vestido inaugurava uma nova fase. Era simbólico e caro. Aquela era uma das lojas mais caras da rua. Mas isso não era problema. O preço não importava. Tratava-se de uma grande conquista. Pediu que a vendedora fizesse um embrulho. A embalagem mais bonita que houvesse na loja. Era um presente para uma pessoa muito especial.
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