quinta-feira, junho 28, 2012

A arte do olhar, o olhar da arte

Na impossibilidade da foto, posto o meu olhar, um
dos meus portais de troca com o mundo!
A imagem deveria retratá-lo! Era pra dizer algo a seu respeito que me foi enviada! Mas eu apropriei-me dela de um jeito que parecia minha, ou melhor, parecia eu. Bastou olhar para foto daquela árvore que eu me identifiquei, a ponto de desejá-la pra mim, como se alguém pudesse ter exclusividade sobre a arte de outrem. O coração apertou à primeira vista: nos galhos ocultos e revelados por luzes e sombras, estava a minha vida, vista através das lentes de um quase estranho. Foi perturbador, como acredito que a arte deve ser! Que outra função teriam os artistas, senão a de tirar-nos do lugar comum, de levar-nos a uma viagem a lugares ocultos de nós mesmos?
Eu não pude tomar a foto pra mim, mas descrevo com as palavras, na falta de lentes, tintas ou acordes, o que me acometeu! Tremi! No auge da minha emoção, achava que possuindo a foto pudesse me esconder de quem quer que seja. Aqueles galhos não tinham ordem, nem razão de ser. E o mais assustador: não estivessem todos conectados ao mesmo tronco, eu diria que cada um tinha vida própria, seguindo seu curso como lhe aprouvesse, atraídos por que facho de luz ou sombra mais lhe conviesse. Agora, pensando bem, vejo que cada um seguia mesmo seu caminho. Tronco, raízes, ficavam desapercebidos diante da confusão que aqueles galhos causavam. Mas estavam lá – tronco, raízes e todos os demais elementos que compunham aquele ser - visíveis no viço das folhas, na vitalidade do emaranhado de galhos, na juventude dos brotos.
Um sistema vivo específico, aparentemente limitado, mas tão conectado com tudo o mais que há no mundo que foi capaz de me refletir. Sim, era a mim que via naquele conjunto! Ora sombra, ora luz; perseguindo aquilo que muitas vezes nem sei descrever; indo por instinto atrás do que julgo importante; fazendo um barulho danado quando, na maioria das vezes, basta lembrar que faço parte de algo muito maior para me acalmar. Eu também inspiro e expiro, como aquele conjunto fotografado.
Mantenho a foto na minha tela e continuo me vendo naquele ser. Indago-me se tentei tomar a foto ao fotógrafo para liberar a árvore do aprisionamento do seu olhar. Quero a mim e a ela livres para despencar quando necessário, expandir quando a luminosidade assim estimular, encolher nas sombras e voltar às raízes em busca de vitalidade. Não adianta: nem o mais ousado fotógrafo poderá aprisionar-nos em um instante!

segunda-feira, junho 25, 2012

Traduzir-se

Eu ia dizer que hoje estou assim, mas isto seria uma mentira. Eu SOU assim, e Ferreira Gullar traduziu-me muito bem!

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

domingo, junho 24, 2012

Eu aceito...

Sombra e luz, alegria e tristeza, recolhimento e expansão, morte e nascimento. Estamos em meio a polaridades, ou melhor: somos todos bi-polares. Temos em nós, os polos opostos de tudo o que há na vida. Ou será que alguém vive constantemente em expansão? A vida é cíclica e não há como evitar um ou outro momento de recolhimento. Mesmo sabendo disso, no entanto, ontem fiquei sem saber como lidar com a minha introspecção. Sábado a noite não é dia de recolhimento, repetia pra mim mesma! É dia de estar com amigos, beber, comemorar... Bom, não estava nessa “vibe” e chamei o momento de tristeza. Tão atazanada fiquei, que pouco consegui ler do meu livro maravilhoso. Também não consegui escrever! Fui dormir!
Não estava triste, agora sei! Não reconheci o simples fato de que a vida é feita de momentos, de que somos todos diferentes, de que se hoje você está de dieta pode ser que eu esteja com vontade de comer o mundo. Para cada pessoa que ri, com certeza há alguém que chora e que certamente sorrirá depois, quando outras pessoas estiverem chorando. E isso é maravilhoso e natural. A vida é movimento. Quem mandou eu esquecer disso? Se renego os momentos como o de ontem, choro e sofro desnecessariamente. Está certo que eu não queira me recolher o tempo todo, está certo também que aceitar um sentimento não é simplesmente acomodar-se a ele. Mas a aceitação traz a paz, reforça o amor próprio.
Ser alegre é saber acolher a tristeza, porque ela faz parte de mim! Há um mantra que alguns amigos repetem que é muito poderoso, que eu compartilho aqui: “Eu ilumino minhas sombras com amor e compaixão.” Isso não significa que eu vá exterminar as sombras ou que elas sejam indesejadas. Aprendi com um amigo fotógrafo que a sombra é tão importante para compor a foto quanto a luz: luz e sombra são matérias primas de sua arte, que jamais existiria sem uma ou outra. Mas esse mesmo amigo me diz: “Não dá pra explicar! As sombras devem ser aproveitadas!” Por isso parei de tentar entender! E mudo o meu mantra para “Eu aceito e amo cada um dos meus momentos com muita compaixão!”

quinta-feira, junho 21, 2012

Homens e mulheres de preto!

Li um livro fantástico quando era menina e hoje utilizo-o em meu trabalho. “Manu, a menina que sabia ouvir” é uma história gostosa, que revela o quanto a conversa com ou sem agenda é terapêutica. Na fábula infantil, do francês Michael Ende, o “papear” é ameaçado por homens de cinza que tomam a cidade, estimulando todos a pouparem tempo e a utilizarem as horas do dia de forma mais produtiva, mensurada e objetiva. Bom, não vou contar a história, mas esse preâmbulo é pra dizer que me lembrei do livro quando, esta semana, passei em frente ao Riocentro, onde estão concentradas as atividades das cúpulas dos países participantes da Rio + 20.
Todas as vezes vi grupos de homens e mulheres em seus ternos e tailleurs pretos, carregando pastas e tablets. Eu sempre me pergunto por que o preto tem que ser a cor dominante em ambientes políticos e corporativos? A cor confere seriedade, profundidade, elegância? Antes de mais nada: sim, eu uso preto! Mas só às vezes, e por mera praticidade, porque ao longo do tempo fui seguindo o fluxo e adquirindo peças pretas e básicas. Gosto de cores e, hoje, fiquei imaginando aqueles homens com ternos coloridos, as mulheres com roupas mais modernas e igualmente elegantes. Seria bem adequado para uma conferência global que se propõe a transformar o Planeta!
Para transformar é preciso olhar diferente, viver diferente, vibrar diferente para então pensar e propor diferente. O hábito faz o monge? Se este ditado estiver certo, avançaremos muito pouco nos convênios que serão efetivamente assinados pelos chefes de estado. A julgar pela mesmice dominante no figurino dos assessores e dos próprios responsáveis pela nação, haverá pouca ousadia nas proposições. E o Planeta, hoje, precisa de muita coisa diferente para mudar o rumo de destruição que temos presenciado (e seguido) nos últimos anos.
Nas atividades paralelas, na Cúpula dos Povos, o cenário é diferente. O figurino, também. As propostas parecem mais interessantes, mas algumas, sabemos, dificilmente sairão do papel. Ou será que estou equivocada e devo continuar a acreditar que um dia os chefes de estado, aqueles mesmos que nos representam na esfera política, possam ousar, colorir e, quem sabe, colocar um freio nesse cenário de destruição que vejo da minha janela diariamente?
* Escrevi esse texto semana passada! Acho que não errei muito em minhas apostas... 

domingo, junho 03, 2012

Eu não estou me sentindo ouvida!

Foi mais ou menos isso que eu disse a um grupo de amigos, numa dessas madrugadas recheadas de pinga e papo, num momento em que a a conversa girava em torno das definições que cada um tinha do perfil de homens e mulheres do bairro onde moro. Nada demais. A conversa seguia animada, com muitas discordâncias e piadas, mas alguma coisa me deixou irritada. Justo eu, que quase nunca saio do sério ou me canso de uma boa conversa. Parei, pensei e desabafei.
Um desabafo um tanto quanto inusitado para uma roda de bar. E todos ouviram. Mas discordaram. Era eu, segundo eles, que estava omitindo meu posicionamento e abrindo mão de dar opiniões sobre o assunto. Pode até ser. Mas o fato é que eu não me sentia realmente ouvida. E eu explico aqui o que não consegui na mesa do bar. Não me sinto acolhida quando quem me escuta está encerrado em seus próprios pressupostos. E numa conversa em que você está disposto a colocar o melhor de si, notar que o que você diz é apenas registrado superficialmente, me magoa. E isso passa despercebido, na maioria das vezes, até por nós mesmos. Porque esse tipo de escuta não é o padrão na maioria das relações.
Claro que esse é apenas o meu sentimento. E para o que eu digo aqui há mais cinco ou seis versões, número das pessoas que estavam naquela mesa. Mas a minha reflexão sobre o sentimento de não ser, de fato, ouvido, permanece. Eu me sinto ouvida, mesmo, quando vejo abrir-se a minha frente, um espaço para os meus pensamentos ainda que eles não sejam afins ao que o outro pensa. É como se aquele com quem falo, figuradamente, me abraçasse com tudo o que sou sem deixar de lado as peculiaridades que me tornam única e potencialmente “legal” ou “chata” para aqueles que segmentam o ser humano em estereótipos definidos pela forma com que veem a vida.
Oferecer e receber esse acolhimento é o que há de melhor, para mim, na relação humana. Está muito além do ato físico de escutar e de tantos outros atos. Com certeza, torna todas as minhas experiências de vida muito melhores. Não tem a ver com gostar ou não gostar, mas com estar presente e disponível. E isso é possível na vida? E isso é possível na madrugada em uma mesa de bar? Acredito... Embora meus amigos também tenham razão. Eles são ótimos e estavam escutando... Eu é que, por esses motivos todos (e sabe-se lá que outros), não estava me sentindo ouvida!
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