domingo, março 28, 2010

A dificuldade de enxergar o outro

Sou intuitiva. É fato. Consigo, muitas vezes, enxergar através das pessoas, percebendo verdadeiras intenções, mágoas ou desejos ocultos, potenciais represados. Mas não é sempre. Há momentos em que despercebo tudo, inclusive o óbvio. Pergunto-me o porquê dessa instabilidade, que ora me concede uma visão privilegiada, ora me imerge em cegueira absoluta. A resposta surge pronta: para ver além de sim mesmo, não é preciso dom especial, mas uma abertura (amor, talvez) para sair de si e mergulhar no outro.
Aconteceu na semana passada, olhei pra uma amiga querendo identificar o quanto ela acreditava em suas palavras. Queria ajudá-la a compreender seus processos, trazendo à tona alguma percepção diferente sobre o que dizia. Não consegui. Fiquei presa nas palavras. E em mim mesma. Não consegui deixar de lado minhas inquietações e alegrias para simplesmente estar com ela. Não estava totalmente presente naquele momento e, sem essa presença, não perceberia nem o evidente.
Comecei a prestar mais atenção e, numa conversa com uma colega de trabalho, mais uma vez fiquei cega e surda, mas não muda, porque, quando não se quer ouvir, pode-se falar qualquer coisa. Percebi também quando acontece o oposto. Captei, de uma pessoa muito distante, os pensamentos, o humor, alguma inquietação. Mas, aí, me fiz presente. Consegui abandonar o turbilhão da mente para simplesmente viajar no tempo e no espaço (dizem que não há fronteiras para o espírito). Outro dia, ao olhar um retrato, cheguei a descrever a personalidade da pessoa, listando os maiores desafios que enfrentava na vida. E acertei. Também estava presente. Havia deixado, por alguns instantes, de pensar no trabalho, nos anseios, nos filhos.
Pode parecer óbvio, mas só entendi isso na semana passada. É preciso estar disposto a deixar-se de lado para enxergar, de fato, o outro. Todos temos intuição, mas para exercitá-la há que se abandonar as delimitações da mente; deixar de olhar pra dentro de nós e olhar pra dentro do outro. Chamo isso de dom de amar. Num movimento dinâmico onde alternamos mergulhos no outro e em nós mesmos, ultrapassando as fronteiras dos sentidos, indo muito além...

quarta-feira, março 24, 2010

A violência nas comunidades

Há muito tempo não tinha um contato tão estreito com uma comunidade do Rio. Fui levar meu filho a mais um jogo de futebol e nada de diferente teria acontecido se não tivesse ficado mobilizada ao ver um grupo de aproximadamente 5 meninos entre 10 e 12 anos bater em um de seus colegas de muitas formas, tomando-lhe, inclusive, a bola e o skate. Na tentativa de defender o menino, intimidando a brutalidade dos demais, sentamos, eu e uma amiga, próximo ao grupo, para assistir o jogo daquele canto mais vazio da arquibancada. Ali, enquanto fingíamos estar atentas apenas ao jogo, misturamo-nos à realidade daquelas crianças e fomos nós que nos sentimos intimidadas diante da agressividade que demonstravam entre si.
O menino que apanhou deixava as lágrimas escorrerem no rosto sujo, fingindo também estar atento ao jogo. A torcida daquele pequeno grupo era tão agressiva no linguajar, na entonação e no volume da voz que o juiz veio até eles e ameaçou tirá-los da arquibancada. Sentada, ao lado daqueles garotos, experimentei o medo das ações de que aquelas crianças são capazes quando em grupos; a desesperança por perceber a falta de afeto; a esperança, porque tudo seria muito pior se a rua fosse o único espaço possível a esses meninos, que, naquela comunidade, contam há alguns anos com um centro social muito bem estruturado e com atividades esportivas, entre outras.
Depois, fui para o meio das mães que assistiam ao jogo, torcendo pelo time da casa: experimentei, novamente, o sentimento de intimidação. A agressividade estava nos gestos, nos gritos, no palavreado. E aquelas eram mulheres privilegiadas da comunidade. Estavam ali, próximas a seus filhos, acompanhando-os, uma situação provavelmente diversa das mães daquele grupo de meninos. Quando pudemos conversar, minha amiga falou: “temos que agradecer muito porque estamos longe disso tudo aqui”. Eu perguntei: “será?” Pela forma como me senti afetada, aquilo tudo faz tão parte da minha vida quanto meus amigos do outro lado da cidade. O fato de eu esquecer que essa realidade existe em muitos momentos não impede que ela invada a minha vida quando eu menos espero, seja nos sinais do Rio, em momentos como aquele em que fui à comunidade levar meu filho, ou quando ando nas ruas da Cidade.
É uma cidade partida sim, com realidades tão diferentes que, às vezes, assustam. Tenho contato com as diferenças sociais em orfanatos e abrigos que ajudo e visito, mas, nesses lugares, todos parecem resignados diante de uma condição que humilha e maltrata. No morro, naquele centro social, eu era parte do grupo e a agressividade era a forma de resposta daqueles que aprendem a sobreviver sem se resignar. Não sei o tipo de adulto que aquelas crianças serão, mas saí de lá com a certeza de que tanto quanto os pais daqueles meninos contribuo para a continuidade dessa segregação.
Ainda não sei o que fazer e, na falta de saber, fiz a única coisa que me ocorreu e que acredito ser de muita eficácia: amei aqueles meninos como amo a meus filhos. Enviei, e tenho enviado sempre que lembro de seus rostos, ondas de amor da forma como sou capaz de enviar. É muito pouco, reconheço, mas fico imaginando se todos que passam por eles nos sinais e nas ruas enviassem vibrações assim. Talvez, tornássemos a vida de todos nós menos um pouco melhor, reduzindo o abismo que nos faz ter ilusão de que vivemos em cidades distintas.
Violência nas metrópoles (publicado em O Globo, 24/03)

terça-feira, março 23, 2010

Ora acompanhada, ora só: sendo eu mesma!

Um abraço faz a diferença! São gestos simples aqueles de que os amigos são capazes: o dia pode mudar entre um abraço e um sorriso. No entanto, há momentos em que todos parecem estar longe. Acho que é porque, às vezes, temos que ficar sozinhos; experimentar-nos como somos de fato, ir no fundo de nós mesmos. Nessa hora, talvez seja preciso estarmos sós. Quando estou assim , olho no espelho e pergunto-me quem sou eu. Vejo imagens tão variadas, mas encontro, no fundo mim, minhas razões de prosseguir, meus desejos reais, meus medos, meu eu.
É bom ter amigos, mas também é muito bom e necessário estar só. Não há melhor forma de sentirmos e experimentarmos nós mesmos senão em nossos silêncios. Então aprendi a não me lamentar quando aquela amizade querida não está por perto. Fico achando que o maestro do Universo sabe melhor do que eu do que realmente preciso e deve estar querendo que eu aprenda alguma lição especial e sozinha. E, assim, sigo, na certeza de que tudo aquilo que se apresenta como problema pode ser superado, mesmo que à primeira vista isso não pareça possível.
Porém, há outros momentos, em que é necessário pedir socorro e reconhecer nossa incapacidade de lidar com tudo o que nos aparece sozinhos. Nessa hora, o melhor a fazer é gritar o nome daquela amizade que gostaríamos que estivesse ao nosso lado e pedir, com humildade: hoje eu quero o seu abraço, porque acho que ele pode mudar o meu dia. Fomos criados para compartilhar, não somos onipotentes. Tenho aprendido muito nesse equilíbrio entre estar só e acompanhado.

quarta-feira, março 17, 2010

Palito de churrasco ou espinha de peixe? Lidando com o desconhecido na vida

Quem corre ou caminha na areia da praia sabe bem o que representa um palito de churrasco. Já tive amigo que ficou mais de 15 dias sem colocar os pés na areia, outro que tomou antibiótico para controlar a inflamação, outro que foi ao hospital porque a perfuração foi mais profunda e outra que não corre mais na areia, com medo de se machucar novamente. Eu ando com cuidado. Tenho medo, reclamo dos que não colocam os palitos do queijo coalho no lixo, mas fico atenta. Corro rastreando a areia com os olhos e, quando avisto um, pego, quebro e tiro do alcance dos pés de um outro corredor. Só que há muito mais na areia da praia do que palitos de churrasco. E as ameaças aparecem quando e de onde menos se espera. No meu caso, veio de uma pequena espinha de peixe.
Estava tão preparada para me livrar dos palitos, que não dei nenhuma atenção à espinha que entrou em um dos dedos do meu pé. Pisei, olhei rapidamente, de longe, e não quis interromper o exercício. É uma “coisinha à toa”, não é um palito de bambu. Continuei. Mas a “coisinha”, quase invisível, continuou ali, incomodando, até que eu parei, sentei e vi do que se tratava. Tirei a espinha, com pouco mais de 5mm e segui, sentindo o pequeno incômodo que, no dia seguinte, inflamou e me deixou uns dias longe da areia.
Isso tudo é pra contar que os perigos da areia da praia remeteram-me aos riscos que corremos na vida. Quantas vezes não somos pegos de surpresa, por algo que parece tão inofensivo quanto uma espinha e nos vemos mais devastados do que por um conhecido e esperado palito. Vimemos preparados para lidar com o que já conhecemos. Às vezes, preferimos nem correr na areia para não arriscarmos uma ferida. Mas não há o que fazer para prevenir contra o desconhecido: ele está por toda parte. Quando algo nos afeta, podemos parar, olhar para o que aconteceu, aprender a lidar com a situação, reconhecer o quanto nos atinge e seguir com a tranquilidade de quem fez o que era possível.
Mas com a espinha não foi assim. Subestimei-a: além de desconhecida, quase invisível. Ela não fez por menos: incomodou-me tanto, a ponto de me fazer sentar na areia. E, mesmo assim, não considerei aquele furinho como algo que pudesse me trazer qualquer inconveniente. Pois ele inflamou e ficou dolorido a ponto de me fazer parar mais de um dia. Penso que encontrei uma espinha, mas poderia ter, também, encontrado uma jóia. As novidades, de todo jeito, requerem atenção, para que cumpram o seu papel em nossas vidas. Um pequeno incômodo pode se transformar em uma dor maior ou em motivo de grande alegria. Em todos os casos, é preciso parar e olhar. Não subestimo mais espinha de peixe. Estou atenta a tudo, agora.

domingo, março 14, 2010

Alguma coisa está fora da ordem: uma experiência de rede

Confesso que fiquei atordoada! Novas informações, novos meios, novas conexões, novas emoções: tudo ao mesmo tempo e misturado. Participar da Conferência Internacional de Redes Sociais, que integrou a Conferência Internacional das Cidades Inovadoras, em Curitiba, foi uma exposição à novidade. Em muitos sentidos. Entrar no espírito do evento significava estar antenado. Não bastava estar conectado no sistema wi-fi, disponível em toda a estrutura do evento, tinha que interagir. E a interação era feita de muitas e diferentes formas.
Nos auditórios, os palestrantes dividiam o palco com telões onde os tweets com a hashtag da conferência (#2010CICI) eram exibidos em tempo real. Participantes conectados trocavam dicas, comentavam a programação, faziam apresentações e postavam pontos fortes (e fracos) das palestras. Quem acompanhou pelo twitter, pôde ver um pouco do que estava acontecendo por lá. Muitos conectados transmitiam as palestras em tempo real para quem não pôde estar presente. Falava-se de redes e experimentava-se, não sem muitos tropeços, um pouco da vida em rede.
Mas o que é rede? Muitos ainda pensam que estamos falando de Twitter, Orkut e Facebook, redes de relacionamento que fazem tanto sucesso no Brasil. Mas isso não é nada perto do amplo significado das redes sociais. De uma forma bem simplista, posso dizer que a articulação da sociedade em redes é uma forma de conexão descentralizada onde cada uma das pessoas exerce seu papel com igual peso na sociedade. Como no diagrama que ilustra esse post, copiado de uma das palestras de Augusto de Franco. Num futuro que ninguém sabe precisar, essa rede trará um novo siginificado para a construção do conhecimento colaborativo e promoverá crescente compartilhar de informações, melhor divisão de bens, o multiplicar de inovações, entre tantas outras mudanças.
Há muito de sonho nessas afirmações, mas, eu, junto a tantos outros sonhadores, sinto cada vez mais que esse é o caminho. Não há como evitar os desafios que a descentralização traz. Deixar de lado o poder que detemos ao segregar, excluir, hierarquizar e armazenar bens de toda sorte (inclusive os intelectuais) requer um novo olhar para vida. Exige coragem e, acima de tudo, muito amor, o que possibilitará uma experiência de relacionamento com as pessoas com quem nos “enredamos” mais humana e verdadeira. Há previsão de muitos conflitos, afinal estamos falando de uma nova ordem social, mas, há também o prognóstico de uma planeta mais humano, onde o “habitar” continue possível.

domingo, março 07, 2010

Eu sou uma MULHER

Já começo a ler no twitter manifestações pelo dia da mulher que se aproxima. Então decidi fazer uma confissão: estou me transformando numa mulher. Tenho vergonha de falar isso, porque acho esse movimento tardio, mas, como sempre que grito escuto eco, resolvi blogar. Meu perfil está certo: tenho 42 anos, sou mãe de 3 filhos e dizer que estou começando a me sentir uma mulher pode parecer piada. Mas não é. Durante muito tempo, vaguei entre infância e adolescência e não me sentia nem um pouco crescida, apesar da vida de gente grande e dos filhos homens. Há poucos meses, comecei a me enquadrar nesse papel e, por isso, esse dia da mulher – 8 de março de 2010 – está me chamando tanta atenção.
Lembro de Alice no País das Maravilhas, mais atual do que nunca graças ao filme de Tim Burton, e penso que é exatamente assim que me sinto: crescendo e encolhendo, andando por vias que ainda não experimentei. Às vezes, determinada; outras, sem rumo; mas, finalmente, uma mulher. Percebo, como nunca percebi, meu corpo, minhas emoções, minhas catástrofes hormonais. Mas não é só a mim que atento; olho, também, para outras tantas mulheres que fazem e fizeram parte da minha vida, de muitas e diferentes formas. E, na verdade, esse olhar foi o que me permitiu enxergar a mim mesma como mulher, deixando de me ver como o reflexo de olhares alheios.
Agora, consigo olhar melhor pra dentro de mim mesma e o que vejo não me assusta. Me reconheço, em cada canto de mim. Às vezes, me perco como Alice. E aí pergunto. Falo com as pessoas, com os animais e com tudo e todos com que cruzo. Semana passada, falei com uma pedra. E ela respondeu!
Ajustando aqui e ali vou seguindo pela estrada e compreendo melhor o papel das pessoas que encontro e que me acompanham por trechos do caminho. Quando me reconheço, aprendo a reconhecer o outro. Quando me respeito, também a respeito o outro. Quando me amo, consigo amar o outro. Quando me vejo, vejo verdadeiramente o outro. Estou caminhando, entre erros e acertos. Esforço-me para não me julgar, embora desejasse ter feito todo esse movimento mais cedo. Fazer o que se todos temos um ritmo diferente? Aí está, pra mim, um grande exercício: aceitar esse tempo e usufruir de cada passo da jornada, que não se esgota. Feliz dia para todas nós que somos e buscamos ser mulheres!
Mais sobre mulheres
A força que emerge de um clã de mulheres
Em sintonia com as mulheres de todo o mundo...
O sagrado feminino em o Anticristo

quinta-feira, março 04, 2010

Receber "presentes" dá trabalho

Quando era adolescente, frequentadora e atuante em grupos jovens da Igreja Católica, havia uma frase bíblica que me intrigava: “Portanto, todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será pedido”. Carregava um culpa enorme, ainda jovem, e achava que estava sempre devendo alguma coisa. Essa culpa já não me pega mais. Tenho aprendido a acolher o que recebo com gratidão e amor, mas o aprendizado é constante e, por isso, resolvi compartilhar esse momento em que tenho recebido muitos presentes.
O fim de semana foi repleto de experiências maravilhosas, coroadas com boas notícias na segunda-feira. Uma excelente oportunidade profissional, uma transformadora experiência espiritual e um encontro com amigos que, literalmente, parecem ter caído do céu. O que mais alguém pode querer? Cheguei a dar um passo atrás e perguntar se eu, de fato, merecia tantas dádivas. Simplesmente, agradeci. Mas comecei a perceber que nenhum dos presentes que havia ganhado traduzia-se em facilidade: eu também tenho que fazer a minha parte.
Se na área do trabalho, a oportunidade é boa, traz consigo a necessidade de acompanhamento constante e de muito empenho, muito mesmo. Ao que tudo indica, terei pela frente um grande desafio que me fará perder, inclusive, alguns dos meus amados fins de semana. A experiência espiritual, uma aproximação importante de energias muito fortes, precisa de cuidados contínuos para sua manutenção. Todos os dias tenho que vigiar meus pensamentos para poder usufruir dessa proteção, porque basta mudar meu humor, permitindo que minha mente atribulada sobressaia com sua torrente de pensamentos, para que eu me afaste dessa energia elevada. Com os amigos, a mesma coisa: não há relacionamento sem uma dedicação mínima e isso demanda abertura de espaço na agenda, ouvir quando quero falar e falar quando quero silenciar.
Por isso tudo, lembrei-me da frase da minha adolescência. Não tenho dúvidas: tenho recebido muitos presentes porque mereço cada um deles e estou disponível para acolhê-los, mas nenhum deles torna minha vida mais fácil. Aliás, à primeira vista, acontece exatamente o contrário. Tenho tido dias bem difíceis cheios de lições de vida, momentos em que penso até em retroceder por achar que não darei conta de cuidar dos meus “presentes”. Para apropriar-me de algumas dádivas do Universo é preciso coragem e determinação e essas são qualidades cuja aquisição ainda estou processando. Fico confusa algumas vezes, mas sinto muito amor em tudo o que tenho recebido e sei que essas aparentes dificuldades fazem parte do “pacote” preparado sob medida para atender à minha busca de uma vida mais plena, verdadeira e feliz.

segunda-feira, março 01, 2010

Somos muito inteligentes! ou A visão da águia

Quem sou eu? Quem nunca se fez essa pergunta na frente do espelho? Eu estou sempre me questionando e nem precisa ser na frente do espelho. É uma mania insana, mas inata. Não consigo me desvencilhar dela desde a adolescência, quando minhas crises existenciais pareciam maiores que o mundo. Hoje, posso dizer que me encontro num processo de aquisição contínua de arsenal pra lidar com os meus questionamentos. Só que eles não cessam e acabaram transformando-se na mola propulsora da minha evolução em todos os campos da vida, tranzendo-me, inclusive, momentos de muita felicidade.
A pergunta persiste. “Quem sou eu” vem a todo instante, até porque a cada minuto sou outra e, por isso mesmo, vivo em mutação. Não sou criatura angustiada, apenas curiosa de mim e, ontem, num ambiente que propicia muitos insights – o ritual xamânico da Tenda do Suor – percebi o quanto me escondo de mim mesma. Na escuridão da tenda, tentando permanecer aberta a tudo o que o Universo quisesse me mostrar, olhei pra dentro de mim mesma e vi uma imagem que reconheci. Não era uma boa imagem, trazia dores, carências, desafetos, mas era minha velha conhecida. Sabia o que, naquela mulher, precisava ser curado.
Na tenda, a escuridão é absoluta e o calor dissolve alguns obstáculos e, num segundo olhar, aquela imagem ruiu. Vi outra que não reconheci. Essa, parecia-me mais próxima da minha verdade pessoal. Daí percebi o quanto somos “inteligentes”, ocultando habilmente verdades, onde ninguém pode procurar. Quem pode entrar dentro de mim, senão eu mesma? Pra isso que existem os terapeutas, certo? Pois eu digo que eles ajudam, mas não acessam lugares recônditos da minha alma, se eu decidir trancá-los.
Porque mentimos pra nós mesmos e nos apresentamos como não somos? É isso que eu me indaguei e a resposta imediata foi: ganhos secundários. Se eu sou f'rágil, ganho aconchego; se estou triste, obtenho consolo; se sou incapaz, arranjo quem faça por mim. Reconhecer as máscaras não é fácil. A primeira dor é a de abandonar uma experiência de nós mesmos conhecida e confortável. A segunda é a de não saber como viver sem o que aprendemos a obter com o uso das máscaras.
Não sei como isso soa para outras pessoas, mas, para mim, foi uma dor muito grande e cercada de sentimentos conflituosos. Como, por exemplo, reconhecer-se forte e, ao mesmo tempo, aceitar que é preciso pedir ajuda em muitas curvas do caminho? Tenho a certeza de que ontem encontrei um importante caminho. Não estava sozinha. Em algum lugar do Universo, uma grande águia sobrevoava meu espírito, auxiliando-me a enxergar mais longe, a ampliar meu campo de visão e a expandir minha consciência. E é com ela que voarei, sem medo, pelos próximos meses, até que tenha aprendido o que tem pra me ensinar.

* Em 2008, movida por essa mesma energia curadora, que eu reconheço como a de uma águia, fiz um vôo duplo de asa delta que foi muito terapeutico. Sinto que um novo vôo se aproxima.
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