quarta-feira, junho 30, 2010

Sobre a solidão...

Solidão existe? Já tive muito medo dela. Um medo paralisante! Hoje, olho-a com respeito, mas sem temor. No entanto, mesmo tendo desmascarado esse fantasma, há pessoas que insistem em trazê-lo de volta pra mim. Algumas chegam ao requinte de me ameaçar: “você ainda vai se deparar com ela. Será inevitável.” Eu titubeio. Afinal, dizem que a maioria sempre vence. Mas, dentro de mim, tenho que dizer que não tenho medo.
O que me assusta mesmo é a reação das pessoas a tudo o que não entendem. Eu é que não entendo como alguém ainda pode achar que conhece a verdade e que ela é uma só. Não sou eu que sou múltipla ou diferente, é o mundo que vivemos. Aliás, essa coisa de multiplicidade ou diversidade é natural: se nenhum organismo vivo é igual a outro, se as folhas de uma árvore não se repetem jamais, como pode alguém achar que há uma só verdade, um só jeito de ver o mundo?
Confesso que cheguei a duvidar de mim. Tenho tido ideias, vivido sonhos diferentes e sonhado com caminhos que não imaginava possíveis. Acredito em coisas boas, encontro pessoas maravilhosas e tenho descoberto que o coração pode bater, apaixonado, pela vida. Aliás, às vezes tenho a sensação de que minha alma tem sorrido mais, mesmo quando eu choro.
Também descobri que Deus está muito mais avançado no mundo digital do que eu. É por onde tem me enviado anjos, amigos novos e antigos, mãos firmes que seguram a minha quando ameaço cair. Também recebo mensagens em momentos tão adequados que chego a me espantar. A vida é um espanto e é espantada que eu ando me dando conta das minhas próprias diversidades, tentando inclui-las num mundo que ainda exclui o “diferente”. Tenho certeza de uma coisa: não estou SÓ!

terça-feira, junho 29, 2010

Certeza de viver

Certezas adiantam de que?
Nada é certo.
Tudo muda.
Num instante, a esperança;
no outro, a decepção, o desencanto;
mais adiante, esperança revisitada.
Não adianta...
O melhor é não esperar,
nem ter certezas,
mas viver.

Pois é, ninguém coloca rédeas na vida. E, se conseguimos colocar cabrestos e domá-la, ela deixa de ser vida. O bom mesmo é perceber que nunca estamos sós, por mais difícil que pareça aquele trecho do caminho. Parece auto-ajuda? Pra mim é a realidade, muitas vezes virtual. Seres humanos nem sempre caem do céu quando a gente precisa. Às vezes, é preciso pedir. E não é tudo, também temos que estar disponíveis para perceber quando aquela energia que vai se somar à nossa naquele momento de necessidade vier de onde menos esperamos. Agradeço amorosamente aos amigos que, real ou virtualmente, cruzaram o meu caminho hoje.

segunda-feira, junho 28, 2010

Essa tal da felicidade existe?

Fazia muito tempo que eu não me sentia assim: um lixo. Há relações que fazem a vida da gente perder o sentido (ou pelo menos parte dele) e a gente nem se dá conta, presos em uma rede tecida cuidadosa e diariamente pela conformação e pela acomodação cotidianas. Assim, devidamente enredados, enquadramos nossos desejos, controlamos nossos impulsos (e pulsos) mais essenciais, e sonhamos sonhos que julgamos impossíveis, relegados às experiências do bem-vindo sono.
Já ouvi a frase: “você sempre teve esse sonho de ser feliz” e amaldiçoei meus sonhos. Culpei-os da minha dor e, logo em seguida, pensei em desistir de grande parte deles. É que tenho muitos sonhos. A desistência parecia-me um caminho natural, estaria seguindo os passos de muitas pessoas da minha família e nessa trilha não há riscos. Há ainda o bônus das justificativas para erros e infelicidades. Algo do tipo: “em caso de sinistro, a responsabilidade será de quem antecedeu você e ensinou-o a agir assim”. Eu mesma já escutei pessoas justificando-se, dizendo que foram criadas assim ou que cresceram em um ambiente de tal forma, entre tantas outras desculpas.
Pensando melhor, desistir do sonho de ser feliz, por mais “ridículo” que alguns possam considerá-lo, parece-me com desistir da vida. Lembro-me das vezes, há muitos anos, em que achava que essa seria a única saída para meus pensamentos desenquadrados. Aquele tempo ficou para trás, mas há momentos em que a dor é inevitável, como agora.
Está bem, mas então pra que essa insistência em querer ser feliz? Você conhece alguém feliz? Não, de fato não conheço ninguém feliz todo o tempo. E, para falar a verdade, não tenho a pretensão de sê-lo. Acho, realmente, que essa estabilidade deve ser algo como o nirvana, o paraíso ou a iluminação, de acordo com a crença de cada um. Não, essa felicidade, não deverá ser mesmo pra agora. Mas nem isso me faz desistir. Acredito que, nesse caso, conta o meio e não o fim; a busca e não o tesouro. Nesse percurso, os loucos que acreditam poder ser felizes, encontram pedaços de felicidade. Com certeza, espalhados por alguma mão divina para estimular o caminhar ou dar alento quando o “normal” parece ser desistir. Os pedacinhos de felicidade estão por toda parte, até em lugares onde não imaginamos encontrá-los, mas só poderão ser percebidos por pessoas que têm a coragem de, ainda que por momentos, viver a sua verdade mais verdadeira, a sua essência divina, o lugar onde homens e deuses misturam-se.

domingo, junho 27, 2010

Formigas não se comovem com os obstáculos, mas...

Fiquei olhando as formigas. O ir e vir monótono, constante, determinado. Era uma fila longa, uniforme, onde uma sucedia à outra, cada qual levando seu quinhão de coisas para o formigueiro. Não sabia o que as esperava lá dentro da montanha de terra, mas, por certo, havia alguém. Cada pedaço de folha ou corpo de inseto devia ter um propósito muito definido, caso contrário elas não fariam o sacrifício enorme de carregar todo aquele peso continuamente.
A mesma fila que entrava, saía. Nunca conseguiria saber se eram as mesmas, que, sem descanso, seguiam ordens, ou se eram outras, que já haviam descansado numa espécie de ante-sala para, depois de algum tempo, prosseguir na lida. Resolvi intervir. Não aguentava mais aquela monotonia sem fim e o silêncio do enorme formigueiro. Coloquei um grande obstáculo naquele caminho sem graça, pelo menos pra mim. Era um tijolo de concreto que encontrei num terreno baldio ao lado de casa. Não machuquei nenhuma criatura, mas senti um certo prazer ao vê-las tontas sem saber o que fazer diante do “meu” obstáculo.
E agora? Vamos ver como se comportam diante do inesperado. Continuei a observar. Demoraram um pouco, atordoadas, mas logo acharam um jeito de continuar o caminho. Contornaram o obstáculo, ajustaram um pouco a rota, e seguiram em seu vai-e-vem, levando suas “coisas” pro buraco de terra, que, ao fim do dia, deviam chamar de lar.
Moral da história? De repente a conclusão óbvia me parece muito chata. Não sou formiga. Não nasci para andar atrás dos outros e não quero aproveitar os tijolos pra voltar a fazer o mesmo percurso, a mesma coisa, seguindo as mesmas pessoas. Se o Universo diverte-se colocando tijolos no meu caminho, com certeza não será pra me ver agindo como formiga. Pronto!

quinta-feira, junho 24, 2010

Pra você que passa por aqui...

Eu escrevo pra mim ou pros outros? Quero que me leiam ou quero me entender? Estou sempre às voltas com essas questões quando paro pra pensar no Coisas de Valor. Criado em 2007, ele durou 2 ou 3 posts, após seu nascimento. Não tinha motivação para blogar e não havia entendido essa interação virtual. A compreensão do que é blogar, de fato, está acontecendo agora, quase um ano depois de ter começado a postar com regularidade.
Isso aconteceu no ano passado, quando me vi com uma necessidade enorme de falar e ninguém pra escutar. Resolvi lançar meus pensamentos na rede. Para minha surpresa (e enorme alegria), encontrei eco e isso me animou a continuar. Mais que a compreensão e o interesse alheios, descobri, através da escrita, um meio de chegar a lugares de mim que só as palavras alcançam.
Substituir o hábito de escrever em papéis e cadernos velhos, que iam pro lixo, pela publicação na rede, teve e tem muitos efeitos positivos na minha vida. O primeiro deles foi organizar meus pensamentos e escritos, de forma a recuperá-los posteriormente; o segundo foi a possibilidade de elaborar emoções; o terceiro foi a recuperação do prazer de escrever e a redescoberta da linguagem como meio de existência e de construção de relacionamentos com os outros e comigo mesma.
O blog, hoje, pra mim, é grande fonte de prazer. E não por uma questão de ego, mas porque ele revela pra mim mesma quem eu sou. Acabei de ver Julie e Julia, um filme maravilhoso e sensível. As discussões em torno do blog de Julia e da sua motivação em escrever lembraram-me de mim. Atualmente, tal como Julia, preciso desse espaço para existir e resistir. Quando recebo um comentário, é como se, por intermédio de um leitor, o Universo me tomasse pela mão e me conduzisse por algum ponto mais difícil do caminho. Impossível, não blogar depois desse filme.
Agradeço, de coração, aos que chegam aqui de alguma forma. Acredito que não conhecemos muitos dos propósitos da vida e sinto que, no Coisas de Valor, pessoas especiais aparecem e deixam seus recados, participando de um pequeno – mas não sem importância – movimento pela redescoberta do REAL VALOR da vida. Amor e Paz!

segunda-feira, junho 21, 2010

E esse aperto no coração?


Não sei se é exclusividade feminina, o fato é que nunca ouvi um homem dizendo que o coração está apertado. Mas eu falo do que sinto. Hoje, de causa desconhecida. E esse é o pior tipo de aperto, aquele cuja razão se desconhece.
De repente, penso na urgência de uma família em encontrar o corpo daquele ser querido que morreu. Há tantas outras urgências que desenvolvemos só pra ter uma evidência inquestionável do fato, do que foi feito de nossas vidas. Todos temos, em alguma medida, o legado de São Tomé, da história bíblica. Precisamos de provas irrefutáveis para seguir adiante, pra pensar novos caminhos, pra dar conta da morte do que ou quem quer que seja. Dificilmente, aceitamos o fluir, a sucessão de acontecimentos ou sentimentos. E aqui estou eu tentando explicar o aperto no coração, entender o seu significado, quando, talvez, o melhor fosse apenas sentir, sem se incomodar, e deixá-lo manifestar-se como quisesse até que desaparecesse. Sim, porque tudo desaparece um dia, acho eu! Inclusive cada um de nós, na vida como a concebemos.
Pode ser que seja o medo da morte que nos assombre, em todas as suas manifestações. Acredito que muito lá no passado nossos ancestrais tenham tido medo apenas da morte do corpo físico. Hoje, estendemos esse medo a tudo o que nos cerca. Tememos a morte de ciclos, amores, amizades, empregos... O medo justifca-se pelo completo desconhecimento do que está por vir. Ainda que a vindoura novidade seja positiva e carregada de bons presságios. Em jogos de cartomancia, por exemplo, o temido caixão de defunto não chega a ser uma carta negativa, pois aponta a morte de algo para a evolução ou o surgimento de novos eventos.
Tem que morrer pra germinar, é o tema de um outro texto que escrevi aqui, e, também, talvez por esse mesmo motivo, um dos links mais acessados por mecanismos de busca que acessam o blog. Como temos medo de deixar morrer, de desapergar, de confiar na existência de um fluxo de vida; resistimos. Deve ser por isso que o coração aperta e a gente fica sentindo essa força sem saber porque. Ou sem querer saber!

domingo, junho 20, 2010

Futebol é assim mesmo!

A primeira vez a gente nunca esquece. É o que dizem né? E com os filhos temos uma primeira vez quase que diariamente. Desde que saem da barriga da gente, vamos acostumando com a primeira mamada, o primeiro xixi, a primeira consulta ao pediatra, numa lista sem fim. Se com o tempo deixamos de registrar nos álbuns as primeiras vezes, jamais deixamos de guardar em nossas mentes a primeira pergunta embaraçosa, a primeira namorada que cruzou o batente da porta de casa, a primeira chamada na escola... e a primeira “demissão” ou dispensa ou seja lá como se fala em futebol.
Meu filho mais novo joga futebol desde muito pequeno. E bem. Tanto que participou de um seleção do Flamengo, quando ainda frequentava escolinhas, e foi jogar em Portugal pelo clube. Há pouco mais de um ano, foi federado pela primeira vez. Foi uma grande alegria. Não tinha salário, mas tinha compromisso de profissional, apesar da pouca idade. E pressões que eu não imaginava que uma criança pudesse suportar. Ganhou habilidade e técnica com o treinamento. Tudo ótimo, até hoje quando soube, em uma reunião com os pais, que o time foi extinto, fundindo-se a um time maior e que ele, junto com outros colegas, havia sido dispensado. Foi a primeira dispensa e, pra mãe, acostumada a ver o filho passar em testes, peneiras e sobressair-se em campo, uma grande decepção.
Eu não entendo nada mesmo de futebol, mas sei que é assim mesmo. Nesse meio, todo mundo sabe que nem todas as decisões são técnicas e que os critérios são, muitas vezes, subjetivos; mas eu fui pega de surpresa. Caí do cavalo. Como assim? Dispensarem meu menino? Foi o meu primeiro sentimento. Saí da sala assim que ouvi o nome dele. Transtornada. Não pensei que me sentiria assim diante de algo que simplesmente “acontece”.
A primeira vez não se esquece mesmo. Acho que transferi para aquele momento toda a minha dificuldade com recusas e negações. Tomou conta de mim a menina mimada que não sabe o que fazer quando contrariada, levando a questão para o lado pessoal e alimentando um grande complexo de rejeição. Desabei por minutos. Era com ele, mas talvez chorasse mais por mim mesma. Uma mistura confusa e insconsciente de sentimentos. Custei a separar o que era meu do que era do filho.
Mas havia mais. Essa mania de mãe achar que filho não vai dar conta da vida. Logo eu que incentivo todo mundo a ter suas experiências, tomar suas próprias decisões, arcar com a responsabilidade de suas atitudes, estava lá na linha de frente do bloco “deixa eu sofrer por você, porque essa dor é minha”. Mães, às vezes, sãs tontas e, na ânsia de proteger a cria, arvoram-se com super-poderes que jamais terão. Não se pode sentir dor de filho. Ainda que se queira. Cada passo da vida deles pertence só a eles, mas tem horas – como hoje – em que eu esqueço. Como meu “bebê” estava longe, em um campeonato de futebol, só fui vê-lo à noite. Eu arrasada, ele me consolando: “Futebol é assim mesmo, mãe! E, se eu quiser, poderei escolher entre dois clubes pra começar a treinar já na próxima semana.”
É assim, então? Eu sofrendo e você, preparadíssimo para as rasteiras da vida, tirando essa decepção de letra? Será que eu e o pai dessa criança fizemos um bom trabalho? Acho que sim! Mas custo a me convencer de que nossa tarefa seja só a de estar por perto, observando o fluxo da vida, apoiando quando necessário e aprendendo, como hoje, com cada primeira vez. Obrigada, filho!
* E assim que tiver novidades, posto aqui a nova camisa do menino!

sábado, junho 19, 2010

Não entendo nada de amor

Tenho uma amiga que ficou em choque ao descobrir que o marido estava apaixonado por outra mulher. Perguntou, com mágoa, por que ele continuou a dizer-lhe “eu te amo”, depois de se descobrir apaixonado por outra pessoa. A resposta magoou-a ainda mais: “É a força do hábito. Me acostumei”. Será que amar é uma questão de costume? A rotina cansa, mas tem seus benefícios: não há que se ter medo do novo ou da surpresa. Tem-se a impressão, por vezes falsa, de que tudo está no lugar.
E o amor? Quando sinto falta de alguém, estou querendo de volta minha área de conforto e querendo me livrar dos riscos das surpresas do novo? Quando digo “eu te amo”, após anos de relacionamento, faço-o porque sinto assim ou porque me acostumei a proferir essas palavras? Não sei a resposta a essas perguntas, até porque acho que cada pessoas poderá respondê-las de um jeito diferente; mas acredito que o amor pressuponha algo mais que o hábito. O simples fato de dizer “eu te amo” pode, então, não significar muita coisa para aqueles que têm uma forte tendência de entrar no piloto automático.
Pensando bem, o amor tem um pouco de hábito e costume, sim. E cresce com o tempo. Mas ele também tem a ver com a surpresa de descobrir ou redescobrir no ser amado algo que não se conhecia. Tem a ver com a atenção que chega naquele momento em que não se esperava apoio algum, com o silêncio da discordância que não dispensa o acolhimento e a aceitação, com a busca por afinidades que já não se acreditava possíveis, com a paciência de ouvir e de abraçar as diferenças, com o compartilhar das histórias pessoais, com a coragem de despir a alma, com a capacidade de falar quando se quer calar e de compreender o silêncio quando se quer ouvir um discurso. E nada disso insere-se no automático. Porque a vida é cheia de supresas e imprevistos, por mais que busquemos o conforto da rotina. E o amor sabe lidar com esses percalços.
De repente me dou conta que não dá para tentar explicar o amor. Amar não tem regras mesmo e cada pessoa descobre (ou redescobre) o amor a sua própria maneira e, por vezes, de formas surpreendentes e inesperadas. Se eu disser que amar requer tempo, vou contradizer aqueles que se descobriram amantes no primeiro encontro, há cerca de 40 anos (conheço um casal assim). E o contrário também é verdadeiro, porque conheço casais que, juntos há muitos anos, descobriram que nunca compartilharam um amor pleno.
E o hábito? Bom, acho que ele é perigoso, mas o amor também necessita de cuidados regulares de todos os lados pra persistir ante as vicissitudes a que está sujeito. Então, nesse sentido, beneficia-se da rotina. No entanto, inserido no perfeito ritmo da vida, desenquadra-se constantemente porque não há força ou teimosia que possa padronizar esse ritmo, e aí coloca à prova todos os sentimentos, com novas demandas que nos fazem refletir se, de fato, amamos ou nos acostumamos a dizer que amamos.

sexta-feira, junho 18, 2010

“Ter tempo é questão de preferência.”

Acho que nunca esquecerei o dia em que a diretora da escola onde estudei por 12 anos, entrou na sala de aula, seguiu direto pro quadro negro e escreveu essa frase. Devia estar na 3a. série do Ensino Fundamental. A falta de tempo em questão era a mania recorrente da turma de neglicenciar as tarefas da escola. O engraçado é que a maioria dos meus colegas de então até hoje se lembra desse dia. Tia Norma, como a chamava, deixou boas lembranças para muitos que frequentaram o Educandário Monteiro Lobato, em Campo Grande.
A frase me vem sempre que estou às voltas com as questões de tempo. E, quando me esqueço dela, uma grande amiga, dos tempos de jardim de infância, torna-a atual novamente. Ontem, quando recebi um telefonema de outra amiga, com quem também tenho um relacionamento muito próximo, foi inevitável lembrar de tudo isso. Ela não trabalha fora, mas não lhe faltam ocupações que deixam quase tanto espaço na agenda quanto as minhas, de ordem bem diversa. Há mais de um mês, não sentamos pra conversar e ela lançou, meio séria meio brincando: “Amor precisa de cuidados regulares para não acabar”. É um fato e eu poderia encerrar o texto aqui, mas o meu desejo de expurgar a frustração por ainda não saber lidar bem com o tempo é maior que essa constatação.
Óbvio que me desdobrei em argumentos, contei um pouco da minha vida atual para justificar minha falta de tempo em encontrá-la, mas não houve jeito, acabei caindo na velha questão da preferência, que a diretora da escola escreveu sabiamente no quadro-negro. O que me leva a estar aqui escrevendo, em detrimento de tudo o mais que tenho que fazer? Pensando bem, já fiz loucuras com a minha agenda só por conta desse preferir: desmarquei reuniões, faltei a trabalho, prolonguei almoços... Nunca me arrependi, mas tenho que reconhecer que em todas essas vezes havia um desejo extremo de fazer algo diverso, de estar em outro lugar e a licença concedida a mim por mim mesma de assumir minhas preferências.
Acho que o tempo fica testando nossa capacidade de priorizar e, quando não estamos felizes, ele nos joga na cara: foi você que quis assim. Tenho sentido falta, assim como minha amiga, de conversar. Justo eu que vivo tentando resgatar a importância do “papo”. E nem adianta dizer que sinto falta dos tempos em que não havia celular e internet, quando a conversa era a única forma de relacionar-se. Também não adianta enumerar os benefícios que a tecnologia e as mídias sociais trouxeram para minha vida, permitindo bons relacionamentos com pessoas que sequer conheço pessoalmente. É tudo verdade, mas nada é exclusivo nos tempos atuais. Mais do que nunca, vivemos tempos de inclusão, porque há um sem número de opções em todas as áreas que acabam sendo integradas à nossa vida.
Por isso mesmo, acho que também vivemos um momento de separar o joio do trigo. A mesma tecnologia que oferece o twitter, disponibiliza recursos muito precisos para filtrar relacionamentos, acesso a informações, e-mails, telefonemas. Só que nada disso invalida todas as frases “feitas” que escrevi anteriomente. Quem ama cuida e faz escolhas que incluem esse amor. Já marquei um almoço com a minha amiga, mas preciso confessar que tenho uma dificuldade enorme de fazer escolhas, estabelecer filtros e que, portanto, esse continua sendo um grande desafio e, provavelmente, assunto de outros posts.
Quando acabei esse texto, o celular tocou. Era um amigo querido que, também sem tempo para conversar, aproveitou o intervalo entre dois compromissos pra me encaixar em sua apertada agenda. Lembrei do que escrevera sobre preferências, atenção regular aos afetos, filtros e conexão de pessoas pela tecnologia. No fluxo do tempo (e da vida) há atalhos misteriosos, que, às vezes, chamo de sincronia.
E você? Como faz suas escolhas? Que filtros usa?

quarta-feira, junho 16, 2010

Coração acelerado e twitter disparado

Não tem como evitar, a emoção engole até os indiferentes e, sem que se possa controlar, o coração dispara. Dá tremedeira e frio na barriga. É assim com o futebol e com o samba, pelo menos aqui, no Rio de Janeiro. Não sou exímia sambista, mas é só escutar o batuque que o coração dispara e os pés começam a mexer. A mesma coisa acontece com o futebol, pelo menos comigo. Consegui ficar meio alheia à copa do mundo até ontem, quando entreguei os pontos, ou melhor, o coração.
Ver o carros com bandeiras, as pessoas desnorteadas no trabalho contando os minutos para correrem pra casa e o povo vestido de verde e amarelo (unhas inclusive) fez meu coração bater mais forte. Vesti a camisa que os meninos me deram no aniversário e entrei no clima. Em casa, tem apaixonados por futebol em número suficiente pra fazer uma festa. O mais novo, que sonha em defender o Brasil, um dia, em campo, animou a torcida e fez sorteio; meus pais organizaram o lanche; a Mere (que cuida de todos há 16 anos) costurou e pendurou bandeiras. Cada um fez a sua parte e assistir ao jogo com eles teve um gostinho bom de família.
E o twitter? Para mim esse foi o maior show. Os comentários, empolgação e decepção, desenhos com caracteres, brincadeiras e a comemoração a cada gol. Havia milhares de pessoas na minha sala, além da família. E eu adorei. Esse negócio de mídia social criou mesmo uma nova ordem. Difícil é explicar isso pra minha mãe, que acha que o computador me afasta do mundo, sem se dar conta de que o filho mais velho também tuita durante o jogo e aprecia os Rts recebidos da mãe. Ela também não percebeu quando fui lendo os tweets mais engraçados e todo mundo riu junto. Nào adianta resistir, esses são sinais de novos elementos da nossa vida que, em constante e rápida evolução, apresentará, em breve, outras novidades.
Mas, no meio disso tudo, também lembrei da infância e da adolescência na rua do Ouro, em Campo Grande, onde cada Copa era motivo de festa. Houve um ano em que o muro da minha casa ganhou um lindo canarinho. Era um ponto de encontro da garotada que aproveitava cada chance de estar juntos. Ainda há ruas no bairro que mantêm a tradição, mas são poucas. O subúrbio não é mais o mesmo. Também há uma nova ordem nas ruas. Estão todos mais distantes pela falta de tempo, pelo medo e por tantos outros motivos. Sociedade é bicho vivo mesmo e, se minha mãe não aceita minha mania de tuitar, que logo poderá ser substituída por outra novidade, é porque talvez não tenha se dado conta de que não há mais muitas ruas com cadeiras na calçada, enfeites e crianças correndo de um lado pro outro até tarde da noite porque o Brasil ganhou.

domingo, junho 13, 2010

Um olhar pela vida


Ela queria escrever uma carta, como nunca fizera. Não sabia como começar; também não sabia a quem endereçar. Afinal, seu destinatário não tinha nome nem endereço conhecidos. Mas precisava escrever. Sentia-se na obrigação de agradecer aquele estranho com quem encontrara-se no corredor do supermercado, enquanto fazia as rotineiras compras semanais. A rápida conversa não foi relevante. O que houve entre ambos resumiu-se a uma troca de olhares que dispensava as palavras para estabelecer uma comunicação verdadeira. Ela não sabia como nem porque, mas o fato é que o olhar daquele estranho tocara-lhe a alma. Sentia algo muito especial e não era vontade de correr atrás do sujeito, como uma amiga sugerira-lhe depois. Era muito mais que isso e tinha a ver com o que sentia a respeito de si mesma.
Agora, encontrava-se parada em frente ao espelho. Nos últimos meses, ou talvez anos, não se recordava da última vez em que havia observado a sua imagem refletida com tanto interesse. Não era o contorno do batom ou a espessura do rímel, aplicado aos cílios diariamente, que a interessava. Era a sua alma. Via-a refletida naquele espelho, onde costumava avaliar-se vestida, sempre preocupada com as evidências do tempo sobre a circunferência da cintura. Naquele momento, tudo isso era irrelevante e ela nem conseguia deter-se nesses detalhes. Olhava a si mesma como há muito não fazia. Naquele espelho, via refletidos, por alguma estranha razão, seus desejos, sua juventude intrínseca, suas aspirações, sua alegria escondida mas resistente, sua força, suas risadas, seu medo de ter medo, seu gosto pelas coisas simples da vida, sua sofisticação desleixada, seus desencontros, seu entusiasmo adolescente... estava tudo lá.
Não entendia porque chegara assim do mercado. O que sabia era que estremecera ante o olhar do desconhecido e que, já no caixa, sentia um movimento diferente dentro de si. Perguntava-se quem era aquele homem, que poder ele detinha, mas não se importava muito com as respostas. Importava-se mesmo com o suas emoções e com o reflexo que via, agora, no espelho de casa. Como um olhar podia suscitar tanta coisa? E vindo de um estranho.
O breve diálogo entre ambos não passara de perguntas e respostas sobre a troca de prateleiras onde os pães de forma estavam dispostos. Um perguntou, o outro respondeu de forma educada. Mas o olhar daquele homem foi tão fundo e tão além. É como se ele contivesse a chave para a porta de um espaço do seu ser que há muito permanecera bem fechado e inacessível. Agora, estava tudo exposto. Derramando-se por todo lado, visível no reflexo do espelho. Sentia-se bem por redescobrir-se mulher, por rever sentimentos adormecidos. Até o medo fazia-lhe feliz. Era bom sentir qualquer coisa; sentia-se, acima de tudo, viva. Respirou fundo. Naquele momento, até a respiração tinha um efeito diferente. Era como se estivesse respirando pela primeira vez em muito tempo.
De repente, pensou naquele homem. Estava tão imersa na emoção do momento, que não cogitara o que poderia estar acontecendo com ele. Ela devolvera-lhe o olhar. Será que ele sentia o que ela sentia? Estranhamente, não havia o desejo do romance, mas um afeto. Um evento aparentemente sem importância havia lhe afetado sobremaneira. Será que o mesmo acontecera a ele? Não importava. Mesmo. Ela não desprezaria esse pequeno grande encontro.
Sentia que algo muito importante estava acontecendo a sua vida e agradecia imensamente aquele estranho e a seu olhar. Mesmo sem conhecê-lo, amava-o. Também não saberia explicar esse sentimento, onde nada importava, senão a capacidade que ambos tiveram de se afetar, ao cruzarem-se no corredor do mercado. Queria, então, escrever-lhe, mas, em seu íntimo, sabia que a única maneira de agradecer e de viver esse amor era abrir-se para tudo o que sentia e permitir-se viver cada gota das sensações que agora fluíam de todo o seu ser. Bem-vinda vida bem vivida, vida bem sentida, vida que se chama vida!

sábado, junho 12, 2010

Namorando a vida

Não ia escrever sobre o dia dos namorados. O assunto nem me mobiliza muito. Mas, vendo tweets, e-mails e anúncios sobre o assunto, não resisti. Hoje, há aqueles que estão infelizes porque não vão dar nem receber presentes; nem farão reservas praquele restaurante aconchegante. Mas há também aqueles que farão tudo isso, movidos pelo costume e pela sensação confortável de estar dentro da segurança das convenções sociais. São casais de todas as idades cuja felicidade não está no companheirismo ou no compartilhar contínuo de suas experiências pessoais, mas na possibilidade que ambos têm de, estando juntos, sentirem-se parte de algo muito maior, como, por exemplo, a instituição Dia dos Namorados.
E foi assim comigo desde a adolescência, quando amargava grande tristeza se estivesse só. Nem um cartãozinho? Bom, durante mais de 20 anos, cumpri à risca os rituais. E isso me dava certo prazer. Boa comida, bons vinhos, troca de presentes... não há como resistir a coisas boas. Este será o primeiro ano em que nada disso acontecerá. Talvez o bom vinho, em casa, já que este nunca falta; um programa com os meninos... Com tudo isso, estou feliz. E muito!
Há vida fora das instituições e isso tem sido uma grande descoberta. Estamos cercados de muitas prisões. Algumas delas, como as grades do condomínio ou o cartão de ponto da empresa, são perceptíveis. Outras, normalmente oriundas das convenções sociais e crenças que arrastamos por gerações, não o são. Para mim nunca foi fácil esse distanciamento. Convivi com o anseio por cumprir regras e o desejo de liberdade, sendo que o primeiro, na maioria das vezes, se sobrepunha sem dó ao segundo. As leis existem para serem cumpridas e as normas, para nossa convivência harmoniosa e feliz. Sempre foi assim.
Pra mim, foi e é preciso muita coragem para abrir caminho para a vida de verdade, que não se parece nem um pouco com aquela das novelas televisivas. E a vida de verdade não tem regras. Pode ser que passe pelas instituições, ou não. Cada um sabe de si e de qual caminho que, de fato, será o seu, com muitas alegrias mas também com os normais acidentes de percurso. Mas, fundamentalmente, é preciso sentir a vida palpitante que temos dentro de nós e que nos enche de amor próprio. Este sim, merece ser comemorado diariamente e, a meu ver, é o único passaporte para o amor verdadeiro, aquele que pode fazer do Dia dos Namorados um dia muito além das convenções instituídas.

sexta-feira, junho 11, 2010

“Tempo, tempo, tempo: apenas contigo e comigo...”

Porque o tempo é uma invenção da morte
não o conhece a vida – a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
(Mário Quintana)
 
Quem disse que tempo é como dinheiro, estava certo. Quanto mais se tem, mais se quer. Eu já acho que o tempo é um grande mestre: dá-nos o direito de escolher e de ser feliz. Não quero que o dia duplique-se em 48h, mas quero fazer boas escolhas para o uso do meu tempo. O que só tem a ver comigo mesma e com o que me faz feliz. Que pode ser diferente daquilo que faz você sentir-se bem.
Caetano propunha um acordo com o tempo. Acho que o tempo não faz acordos, mas sabe acatar decisões. Pelo menos as minhas. Sou de gêmeos e, acreditando ou não em astrologia, sinto-me regida pelo elemento ar. Voo feliz pelo tempo, alheia às suas restrições. Faço escolhas, mas, não raro, tenho que usar desse mesmo poder de escolher para colocar os pés no chão. Achar a medida entre um e outro, ou usando um termo de que gosto mais INTEGRAR ambos, é e sempre será um bom desafio. E um grande exercício de uso do tempo, porque os voos, metáfora para as atividades que me dão mais prazer, nunca parecem suficientes. Paradoxalmente, é quando coloco os pés no chão que os meus voos materializam-se e descubro a realização, além do prazer.
Não adianta querer me encaixar no modelo mais comum de uso do tempo, que vejo ao meu redor. Agendas sobrecarregadas causam-me sofrimento e parecem-me fuga de si mesmo. Claro que não consigo uma agenda como gostaria, mas tento ir compensando, numa medida que nunca saberei se é boa o bastante, com momentos “ar”. E aí são tantas as opções que incluem conversas com amigos, passeios, visitas, filmes... Já ouvi críticas: “você precisa ser mais focada no trabalho. As pessoas bem sucedidas trabalham, no mínimo, 10 horas por dia”. Confesso que não sei funcionar assim.
Tenho quase certeza de que a busca desse equilíbrio, a que me refiro, inclui o respeito à própria natureza. Tenho limites. Preciso reconhecer a liberdade como o maior alicerce da minha estrutura. Só assim, posso amar e me relacionar com pessoas em todos os âmbitos da vida. Sim, gostaria de ter mais tempo. Para ver mais pessoas, mais filmes, mais exposições, trabalhar mais, responder a todos os e-mails, escrever mais. Mas o tempo não é meu inimigo, ele só me obriga a decidir. E isso me deixa, de certa forma, feliz. Me ajusta.
Fiz um teste com o tempo um dia desses. Resolvi aliviar a agenda, desmarquei uma reunião e não fui ao escritório. Tinha um encontro com uma amiga muito querida no meio da tarde, então acordei e resolvi relaxar e dedicar aquele dia a atividades prazerosas e fazer tudo com calma. (No dia a dia, meus compromissos costumam se sobrepor.) Acordei. Escrevi no blog. Fui caminhar na praia sem olhar o relógio. Tomei banho de duas horas, que eu adoro. Usei todos os cremes com calma. Quando vi, estava na hora do almoço. Levei meu filho ao treino, fui deixar um documento na escola onde ele estuda à distância e aproveitei para conhecer as pessoas com quem falo por telefone e e-mail. Conversei com a orientadora, certa de que estava em paz com o tempo. De repente, tocou o telefone. Era minha amiga dizendo que já estava me esperando. Não vi o tempo passar. Despedi-me apressada e saí correndo em direção ao meu encontro. Ri de mim, por me dar conta de que o tempo nunca será suficiente mesmo.


* Há muito tempo, venho buscando tempo para escrever sobre o tempo. Hoje, escolhi fazê-lo.

segunda-feira, junho 07, 2010

Virando a página

Eu tenho aflição quando tenho que virar páginas. Quando estou lendo um livro, quero logo saber o que vem depois e, às vezes, chego a virar algumas páginas para saber o que acontece mais à frente. Depois volto ao ponto onde parei; ansiedade domada. Em se tratando de revistas, começo pelo meio ou pelo final, o que é mais frequente. E na vida? Não dá pra antecipar a crônica da última página. Há uma ordem cronológica que misteriosamente (e tranquilamente) ignora minha ansiedade. E eu tenho que aguardar.
Fui adquirindo alguma sabedoria com o passar do tempo. De adolescente que não conseguia aproveitar uma festa pensando na que viria depois, passei a mulher que aguarda e tenta respeitar o fluxo da vida. Também, o Universo é sábio e me presenteou com três gestações, onde aprendi o que significa esperar e respeitar a natureza. Na terceira, a tranquilidade era tanta que, sem nenhuma impaciência, pedi que os ultrassonografistas omitissem o sexo da criança. Para que antecipar o presente que a natureza iria me oferecer? Desembrulhei-o a termo: na sala de parto.
Depois vem as fraldas, os dentes, o engatinhar e o andar, o falar, o escrever, chegando ao vestibular e à primeira namorada. Pra nada disso adianta ter pressa. Tudo acontece a seu tempo. E as mães vão tomando lições e aprendendo a esperar. Mas, nem tudo é perfeito, e a ansiedade de ontem deu lugar ao medo do que está por vir. É claro que não estou acomodada com o sentimento e reconhecendo-o vou tratando de enfrentá-lo como a tantos outros medos que aparecem por aí. No entanto, não deixo de me intrigar diante do temor do que a próxima página poderá me trazer. Uma ótima história? Uma página a ser preenchida, ainda sem enredo definido? Um conto triste? Eu não sei. E ninguém pode dizer que sabe. Mas sem virar cada uma delas, não chegaremos ao fim do livro da vida.
Lembro-me de uma sessão de análise; o susto do terceiro filho, que havia motivado o início da terapia, já havia passado; o menino já estava com uns 6 anos; e eu comentei com meu analista que estava descobrindo coisas a meu respeito que sequer imaginara. Estava curtindo o processo e achava cada sessão uma grande oportunidade de autoconhecimento e um privilégio. Ele explicou: “quando vencemos as crises, podemos virar as páginas seguintes com mais tranquilidade, podendo usufruir das surpresas que elas nos reservam”.
É preciso coragem, carinho, amor, compreensão e mais um monte de coisinhas para prosseguir virando as páginas. Umas vezes, estamos sozinhos; outras, acompanhados, mas não importa: virar a página é preciso. O que vem depois, com certeza, é a mais linda continuação da história que é a vida. Vamos embora, vamos virar a próxima...

quinta-feira, junho 03, 2010

Aprendendo a lição

A professora bateu no quadro negro. Impacientava-se em ter que repetir a lição, por causa daquele aluno, tantas vezes. Como podia aquele menino, vindo de boa família, com pai letrado e mãe estudada, ter tanta dificuldade de aprender. Não havia assunto que ela não tivesse que repetir. Mas o que mais a irritava era que depois da canseira que o menino lhe dava, sem nada entender, quando ela se deixava mesmo vencer pelas dificuldades do tonto, já estando em outro ponto, ele repetia, repentinamente, tudo o que a professora havia lhe ensinado horas atrás ou no dia anterior. Era como se cada novidade levasse um tempo próprio e caprichoso para ser compreendida.
Não era incapaz o menino, mas não adiantava querer que ele aprendesse o que lhe era ensinado, do mesmo jeito que as demais crianças da classe. Outras professoras haviam tentado gritos, castigos, punições. Até beliscão o moleque havia ganho, para ver se acelerava o processo de aprendizagem. Nada acontecia. Com castigo ou sem ele, o dito só se decidia a entender o que lhe explicavam a seu próprio e particular tempo. A atual professora, sabendo do fato, tentava poupar a si mesma e a ele de desgastes maiores. Irritava-se, é verdade, com a repetição que se sentia na obrigação de fazer. Como boa professora, custava-lhe aceitar que uma criança na turma não alcançasse sua explicação.
Bastava render-se ao fato inexorável de que aquele guri era diferente dos demais que a aula transcorria bem, não fosse a repetição que ele resolvia fazer do aprendizado efetuado, em meio a assunto totalmente diverso daquele que acabara de assimilar, sabe-se lá por que instrumento de raciocínio. A impressão que se tinha, nesses momentos, era que todas as ideias que ele ouvia ficavam transitando em sua mente sem pressa, com vagar, até que achassem uma organização. Quando arrumadas em seus devidos lugares, dava-se o aprendizado, e aí ninguém tirava aquela ideia da cabeça do moleque.
Nos testes, o menino surpreendia. Só por isso, os colegas o toleravam. Sabiam que ele não era “burro” e suas notas faziam inveja às mocinhas estudiosas da classe, e provavam que o aprendizado, de fato, acontecia. Na hora da aula, alguns não conseguiam evitar as brincadeiras depreciativas, mas o menino também demorava para entender a crueldade dos colegas. Geralmente, era em casa que sentia a dor de não pertencer ao grupo, de não ser igual. Com 12, 24 ou 48 anos, poucas pessoas sustentam-se com dignidade sobre suas peculiaridades, ainda mais quando elas alijam-nas de algum grupo.
Quando dava-se conta da maldade alheia, ele chorava. A mãe o surpreendia várias vezes com as mãos no rosto a esconder as lágrimas que rolavam diante da descoberta da incompreensão e da maldade de seus pares. Não havia o que fazer. Muitos recursos haviam sido tentados em vão. Aquele menino tinha mesmo seu jeito e sua hora de aprender. E não havia professora, urgência, colega, mãe, pai ou reza forte que fizesse aquela situação mudar.
Foi aí que apareceu Martina. A menina, jeitosa e inteligente, conseguiu ver mais do que suas amigas viam no atrapalhado aluno de cabelos e olhos castanhos e pele bronzeada pelo sol, nos fins de semana que passava com os pais na praia. Sim, ele tinha uma beleza peculiar. Não era como os artistas de novela, mas fazia vista. No entanto, esse atributo não era o principal. Havia algo mais. Quando chamado, tinha um jeito especial de olhar nos olhos de seus interlocutores. A atual professora também percebera isso. O menino podia não entender, mas atentava e sorvia cada palavra do que lhe era dito. Não era de se estranhar que acabasse por dar conta da situação, juntando as informações que precisava para realizar seu aprendizado.
Quando sentia-se só ou chateada com as constantes brigas de seus pais, era a ele que Martina procurava. Bastava ela começar a falar para que tivesse a sensação de que o mundo a seu redor parava para escutar-lhe. Na verdade, parado mesmo estava o guri, mas a atenção que lhe dava, a presença e a dedicação faziam com que ela sentisse o mundo inteiro a lhe escutar. Isso lhe bastava. E a encantava. Foi assim que se apaixonou. E o namoro e o primeiro beijo aconteceram muito por sua própria iniciativa, porque mesmo dedicado e atento, ele não conseguia produzir respostas imediatas.
Foi com ela, no entanto, que o garoto aprendeu a sentir. Quando sentia a emoção que a presença da garota provocava, experimentava um entendimento diferente daquele que tinha na escola, por exemplo. Quanto mais afetado pelas emoções, mais rapidamente conseguia assimilar o que lhe acontecia e produzir respostas. Através da interação com Martina, conhecera sensações e, com elas, uma nova forma de olhar e aprender sobre o mundo. As mudanças eram visíveis e foram percebidas pela professora. Testando novas formas de ensinar, ela conseguia, por vezes, alcançar seu aluno. Mas, na verdade, isso já não importava tanto. Estava há tanto tempo convivendo com aquele quase-rapaz que também aprendera a respeitar suas particularidades. Sentia-se desafiada, mas não para provar a si mesma sua capacidade de ensinar, mas para ajudar ao menino a se sentir cada vez mais parte daquele grupo onde passava grande parte de seu tempo: o dos amigos da escola.
Não demorou para que os efeitos da transformação aparecessem também em casa. A aceitação por parte de Martina, fez com que sua própria família enxergasse o menino de outra forma. E foi a partir das experiências afetivas desenvolvidas a partir dessas pequenas e grandes mudanças que o menino foi modificando também a sua forma de relacionar-se com o mundo a seu redor. Compreendia coisas banais sem muito esforço. Era como se as ideias encontrassem cada vez mais rapidamente o seu lugar. E isso tinha muito a ver em como ele sentia-se afetado pelas pessoas que o cercavam. Vivenciava o afeto, de um jeito que ainda não sabia possível. Isso fazia muita diferença.

quarta-feira, junho 02, 2010

Medo de ir em frente

Todo mundo tem medo de alguma coisa. Uma vez perguntei prum grande amigo, surfista de ondas gigantes, se ele não tinha medo daquele mar tão grande e revolto. Ele me respondeu que sim. Mas que isso não o impedia de buscar continuamente ondas maiores e melhores. O medo injeta nele a descarga de adrenalina necessária pra dar conta do desafio. E ele faz bonito. Na hora que desce a onda só pensa na perfeição dos movimentos... Ele me ajudou muito a entender o medo. Está tudo certo com o medo, o problema é quando ele trava a gente e impede-nos de andar.
Às vezes, quando a gente dá conta daquele medo gigante, enfrentando e olhando bem nos olhos dele, ele ressurge com uma outra cara. Faz parte da vida, dizem. Eu já estava me achando muito corajosa, fazendo careta pros meus medos, quando, de repente, vi um deles se avizinhando. Ele vem com as novidades; o novo ainda me deixa insegura. E, desta feita, confesso que me pegou desprevenida, o que me inquieta ainda mais. Alguém pode ter medo de coisas boas como presentes, amor, generosidade, sucesso?
Não posso responder por mais ninguém além de mim: detectei o medo em situações de confiança e amorosidade com as quais não estou acostumada a lidar. Ele estava escondido, disfarçado com as melhores roupas da tradição, dos bons (ou maus) hábitos e costumes. Mas acabo de reconhecê-lo. E me assustou. Estou me preparando para enfrentá-lo. Por isso, a conversa fica difícil, surgem fugas nobres e eficazes que atendem pelo nome de trabalho, TPM e outros tantos que meu inconsciente ardiloso prepara. Os escudos de proteção anti-vida se fortalecem, a emoção torna-se descuidada.
Ainda não tenho ideia de como vou vencer esse bicho-papão. Estou acuada ante a sua visão e todo o incômodo que essa descoberta está me provocando, às vésperas de completar 43 anos. Talvez justamente por isso, porque estou mesmo prestes a completar mais um ciclo de vida. Pode ser que precise me lembrar de que nunca estamos sozinhos e de que posso ter companhia nessa pequena batalha. Acho que o primeiro passo foi dado. Localizei o dito-cujo. E você, tem medo de que?

terça-feira, junho 01, 2010

Educação inovadora? Estamos preparados para arriscar?

Quando escolhi a escola do meu primeiro filho sabia o que queria: um lugar que propiciasse a ele suas próprias descobertas. Não queria um modelo tradicional de ensino, eu mesma não havia frequentado um. Buscava algo mais moderno, que estimulasse a inteligência, a criatividade e o pensamento crítico. E assim foi. Escolhi a dedo as escolas que os três frequentaram, pelo menos até um certo ponto. Os meninos crescem e antes mesmo de virarem homens começam a fazer suas escolhas. Em função delas, deixaram a escola internacional que eu amava, localizada em uma grande área verde a 5 minutos da nossa casa, e foram estudar em escolas bem tradicionais, que jamais teriam sido minha primeira escolha. E estão felizes.
Eu me adaptei e descobri logo que cada um deles tinha seu próprio desejo e que este em nada tinha a ver com os meus. Para resumir: um quer ser jogador de futebol, é federado em futebol de salão e de campo; outro, jogador de tênis, e estuda, hoje, por apostilas para se dedicar ao tênis com maior intensidade; e há aquele que, às vésperas de fazer vestibular, diz que quer ser barman. Ótimo. Digo aos três que sejam responsáveis por suas escolhas e que assumam os riscos de cada um de seus passos. Que sejam felizes.
Aos amigos, às vezes, me queixo. Queria ter filhos que gostassem de estudo, livros e cultura. O mais difícil, no entanto, foi ter que escolher escolas que se encaixassem às suas aspirações nada acadêmicas. Pensava não ter conseguido alcançar o meu objetivo e achava que havia falhado na minha busca de oferecer a meus filhos uma educação inovadora. Hoje, me dei conta que não. E fiquei feliz ao perceber que estou cumprindo aquele plano que tracei quando da chegada do primeiro filho. Estou sendo o mais inovadora que posso na educação deles. Cada um está tendo a chance de realizar seu sonho, arcando com o custo de suas escolhas. O apoio materno acontece de forma sutil e em momentos em que lhes falta maturidade para superar os inevitáveis obstáculos.
Devo confessar que sinto uma ponta de inveja das amigas que têm filhos com notas excelentes, alguns em universidades federais. No entanto, levo poucos minutos para perceber que meus filhos fizeram e fazem suas próprias escolhas, rompendo com muitos paradigmas, inclusive aqueles que nortearam a minha educação. Ao rever meus posicionamentos em relação à vida acadêmica e ao processo formal de aprendizagem, estava ensinando a eles o que eu mais desejava: que podem ousar sempre se o objetivo for a felicidade. E que devem fazê-lo por eles mesmos e não por seus pais. Assim, mesmo errando muito como mãe, coloco-me também na posição de aprendiz e, junto com eles, sigo aprendendo minhas lições.
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