sábado, janeiro 22, 2011

Ao sabor do vento: um amor antigo

“É uma impressão de que você está com vida organizada e com idéias a cerca de tudo. Então você estende a mão para as coisas que acredita a seu alcance, mas não daria um passo para ir pegá-las.” (Sartre, in A idade da razão)
Grupo da Flotilha Barra Vela, onde velejei por dois anos
A vela estava ao meu alcance e, mais que isso, guardada no fundo de um baú imaginário e muito pessoal onde depositamos infindáveis objetos de desejo, mais por comodismo do que por impossibilidade de conquistá-los. A Escolinha de Vela do Camping Club do Brasil, que freqüentei junto com meus filhos em janeiro desse ano, deu-me a oportunidade de abrir esse baú. Reconciliei-me com vento, chuva, sol e mar, permitindo que essas forças da natureza instaurassem em mim um novo ponto de equilíbrio. Que bom que a vida é assim! Estamos, forçosamente, em constante processo de mudança, mesmo sem nos darmos conta.
Velejar tem me possibilitado o contato com o que há de mais essencial e verdadeiro em mim mesma. Parece exagero? Mas não é! A emoção que sinto quando consigo controlar meu barco e entender-me entre cabos, bolina e leme, integrando-me ao vento e às ondas é indescritível. Ver o sol se pôr a bordo do Laser e poder velejar em seu reflexo até que ele desapareça por completo produz bem estar tão grande que as idéias por si só vão encontrando seu rumo.
Homenagem que fizeram à única mulher que
velejava regularmente no grupo
No entanto, as horas prazerosas que passo a bordo do meu barco representam um desafio. Sinto-me tentada a persistir e entender cada vez mais o porquê de cada erro e movimento. Tenho a certeza de que os obstáculos me empurram rumo à apuração da técnica; mas, fundamentalmente, representam a possibilidade de auto-superação. Uma fonte inesgotável de alegria, crescimento pessoal e de dor. Sim, porque nem todos os ventos são amáveis. Testam os iniciantes como a aferir-lhes o gosto pelo esporte e acabam resultando em manchas roxas e dores pelo corpo.
O resultado de todo esse blá-blá-blá é uma delícia: aos 35 anos e depois de três filhos, renasço e descubro (ou redescubro) novos horizontes. Revejo valores, posições e objetivos que fazem com que eu sinta orgulho – por que modéstia? - de mim mesma após cada velejada. Vencer as dificuldades de conciliar a vela com a vida pessoal, profissional e familiar tem se justificado. Os novos amigos que faço só reiteram a crença de estar no caminho certo. Nos locais onde tenho velejado – lagoas de Araruama e Marapendi - ainda não descobri como colocar e retirar o barco da água sem ajuda e sem fazer muita força, mas isso virá com o tempo. Com o tempo também virão novas descobertas. Mas, por enquanto, o que me importa é aproveitar ao máximo essa nova paixão que não é nem de longe tão impossível quanto eu imaginara. Já sei velejar...“agora só me resta sonhar!”.


* Quando escrevi esse texto – em 2003 - era sócia do CCB e participei da XXII Transararuama, na categoria Laser Dupla. Publico-o hoje para lembrar que estamos sempre ganhando novas oportunidades de encantamento da vida. Não velejo mais, mas ainda conservo esse amor pelo esporte e um desejo enorme de voltar a praticá-lo.

3 comentários:

Li Balbinno disse...

Que lindo...

Para voce amiga:

“Tanto mar, invés de nos separar, nos uniu. Em 141 dias de ausência, do início ao fim, o Paratii fez a sua volta e retornou a Jurumirim. A Terra é mesmo redonda. Ao longo do caminho, pensando bem, nem vento, nem ondas, nem gelo tão ruins, porque no fim, nada impediu meu veleiro de voltar inteiro à sua baía. E nada foi melhor do que voltar para descobrir, abraçando as três, que o mar da nossa casa não tem mesmo fim.

Pior do que passar frio, subindo e descendo ondas ao sul do oceano Índico, seria não ter chegado até aqui. Ou nunca ter deixado as águas quentes e confortáveis de de Parati. Mesmo que fosse apenas para descobrir o quanto elas eram quentes e confortáveis. Eu senti um estranho bem estar ao contornar gelos tão longe de casa.

Hoje entendo bem o meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é, que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.

“Mar Sem Fim”, de Amyr Klink

Beijos,
Li.

Silvio Freire disse...

Você é gente que faz. Continue fazendo, amiga.

Silvio Freire disse...

E nos contando...

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