sábado, outubro 02, 2010

A mulher e o vestido

Viu o vestido na vitrine. Há muito tempo seus olhos não brilhavam assim. O corte, as cores... tudo parecia perfeito para ela. Ali, parada, perdeu a noção do tempo, observando cada linha, cada detalhe. Ele era longo, num tecido leve e esvoaçante, sem a cintura marcada, mas com um decote que deixava colo e ombros à vista. As cores? Havia todas, com nuances de laranja que ela adorava. Sentiria-se livre, linda, naquela roupa.
Havia muito tempo que não parava em frente a uma vitrine. Ultimamente, nada parecia ter muita graça. As cores eram iguais; as roupas, também. Entrava e saía das lojas que mais gostava e nada lhe agradava. Não que estivesse com dinheiro sobrando para gastar, mas testava-se. Queria saber se teria aquela vontade de vestir as roupas da moda, a paciência para experimentar no provador todas que poderiam lhe cair bem para, no final, comprar uma ou nenhuma. Passava pela lojas de sapato, seu ponto fraco. Afinal, sapatos não revelam gordurinhas indesejáveis, não evidenciam as marcas do tempo no corpo, parecem alheios às transformações da mulher. Talvez por isso não lhes resistisse. Mas nem eles seduziam-lhe.
Não gostava de sentir-se assim. Sabia que havia momentos da vida em que o recolhimento era necessário, um pouco de tristeza, inevitável; mas daí a deixar de perceber as cores da vida há grande distância. Por isso, encantara-se com o vestido. Encantava-se, na verdade, com o seu sentimento diante dele. Quem passava pela rua, via apenas mais uma mulher, entre tantas que param para olhar vitrines de lojas de roupas; mas, se olhasse bem, conseguiria captar algo mais: havia nela, naquele instante, um brilho que a diferenciava das demais.
Entrou na loja. A alegria e o encantamento eram tão seus que se contiveram elegantemente no íntimo da jovem senhora. A vendedora atendeu-a com simpatia e, quando perguntou se poderia ajudá-la com algo em especial, ela disfarçou. Fez de propósito. Queria usufruir mais desse sentimento, prolongá-lo o quanto pudesse. Talvez, ele estivesse inaugurando uma nova fase da sua vida. Disse que gostaria de olhar as araras e ficou o quanto quis admirando cada peça de roupa exposta. Algumas, tirava do cabide e colocava diante de si, olhava no espelho e pensava que nenhuma delas lhe ficaria tão bem quanto aquele vestido. Finalmente, tocou-o. Sentiu com os dedos a maciez da seda, imaginou-o no seu corpo. Pediu para experimentar, num tom de voz tão blasé que nem uma vendedora muito experiente poderia imaginar o que lhe ocorria.
Entrou na cabine com o vestido nas mãos, como se fosse ter um encontro secreto. Admirou-se no espelho. Gostava de seus ombros, definidos, abertos para o mundo. Imaginou-se com asas e voou por sua própria vida. Sentiu-se uma bela mulher. Sim, agora tinha certeza de que aquele vestido inaugurava uma nova fase. Era simbólico e caro. Aquela era uma das lojas mais caras da rua. Mas isso não era problema. O preço não importava. Tratava-se de uma grande conquista. Pediu que a vendedora fizesse um embrulho. A embalagem mais bonita que houvesse na loja. Era um presente para uma pessoa muito especial.

2 comentários:

Anônimo disse...

Mônica, eu ADOREI o texto. O que você falou com relação aos sapatos é a pura verdade. Sabia que eu tenho o hábito de pedir para embrulhar para presente tudo o que eu compro de especial para mim? Toda mulher deveria ler esse texto. Ele é fantástico. Beijos!

Cláudia disse...

Mônica,
Que bom que temos tradutoras do universo feminino, como você. Afinal, quem de nós ainda não passou por situação semelhante?
Lembrei de mim, imaginando para uma ocasião especial, uma determinada peça: modelo, tecido,cor...tudo!E qual não foi minha surpresa quando deparei com ela na loja, do jeitinho que havia imaginado! E a vendedora ainda me disse que só tinha vindo uma, e naquele tamanho. Não tive dúvida: viera de encomenda pra mim!!! E não é que mandei embrulhar para presente? Só pra ter o gostinho de desembrulhar quando chegasse em casa!
Que pena que , às vezes, a pressa não nos permite saborear com clareza todas essas sensações. São pequenos detalhes, que se deixarmos, passam até despercebidos. Mas que, com um toque de sensibilidade, dão cor e poesia à nossa vida.

Obrigada, querida, por nos relembrar isso!

Beijos,

Cláudia.

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