sábado, outubro 16, 2010

De que cimento sou feita

De que somos feitos? Penso no cimento e nos tijolos que me constituem. Se fosse me comparar a uma obra, seria um prédio de comunidade, daqueles que vão subindo aos poucos, de acordo com as necessidades e os recursos de seus moradores. Muitos puxadinhos, material doado por um e por outro, diferentes tipos de tijolos, uma janela de cada jeito, uma parte da parede faltando emboço. E dentro? Dentro haveria sempre água no fogo e ervas frescas para um chá, café passado na hora (porque café coado tem muito valor!), um bolo de milho para servir aos amigos e um pãozinho saído do forno. Pronto, está compensada a rusticidade da fachada!
Mas o desalinho da construção – metáfora de mim mesma – tem o seu porquê. É que cada pessoa que encontro, cada acontecimento, acrescentam algo a essa construção permanentemente inacabada. Se parte de mim desmorona, é para dar lugar a algo mais bonito e maior. Há pessoas que passam por processos de demolição, para depois se reconstruirem inteiras, com uma fachada imponente, bem desenhada. Todas as construções têm sua beleza, mas, em todas elas, há lá um alicerce do qual não se desfaz. Ele também foi construído ao longo dos anos, porque ninguém nasce pronto e não fazemos sozinhos nossas bases ou a de nossos filhos.
Há pessoas que estão lá, no fundamento de nós mesmos. Sem desmerecer os muitos amigos que colecionei ao longo da vida, tenho uma amiga cuja vida está tão entrelaçada à minha que, mesmo passando por total restauração, o meu prédio da vida ainda a conservaria. Ela deve estar lá no tal do alicerce, muito bem amarrada entre ferros e concretos.
Não somos parecidas. Na verdade, somos tão diferentes que, depois de casadas, não conseguimos mais viajar juntas. Uma vez encontramo-nos, por acaso, em Visconde de Mauá, um lugar que adoramos desde a adolescência. Ela com sua família, eu com a minha. Ela acampada, eu em hotel. Nem assim conseguimos ficar juntas: quando nos encontrávamos, seu grupo estava indo tomar café da manhã, enquanto o meu se preparava para almoçar. Diferenças de fuso horário. Ela pariu meninas, eu pari meninos. Ela meio cética, eu uma crente. Ela adora Natal e enfeita cada canto da casa com bichinhos, monta três árvores; eu, se pudesse, não montava uma.
A lista é grande... mas nada do que mencionei tem peso algum. Não sei se por antiguidade (ela está lá no meu alicerce, lembra?), mas o que nos une é um amor tão grande que supera tudo. É a pessoa de todas as horas, de todas as intimidades, de todos os desvarios, para quem tudo pode ser confessado. Não nos vemos sempre, mas falamos uma com a outra todos os dias.
Por tudo isso, agora, vendo-a hospitalizada, senti um tremor. É um terremoto que atingiu o alicerce do meu prédio. Balançou, mas não cairá! Porque ela sempre estará no lugar onde sempre esteve: na composição de mim.

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
     Pilar da ponte de tédio
     Que vai de mim para o Outro.
Mário de Sá Carneiro
(Lisboa, fevereiro de 1914)

Um comentário:

Dagui disse...

Você é a amiga que todos sonham ter e essa mensagem vai tocar fundo na alma e coração dessa pessoa! Desejo melhoras pra ela.

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