domingo, fevereiro 13, 2011

Luz, sombra e Cisne Negro

Quando era criança tinha medo do escuro. Morava em casa com quintal grande e, muitas vezes, quando precisava pegar algo do lado de fora, à noite, saía correndo ou pedia para meu pai me olhar da porta. Nunca entendi direito o que eu temia. Cresci um pouco e dizia que tinha medo de extraterrestres ou de alguma espécie de monstro que se escondesse no escuro. Hoje, acho que aquele sentimento era medo do que a noite escondia. E, numa confissão muito pessoal, ainda hoje me pego fugindo do quintal da casa, nos dias em que a lua não ilumina o caminho, e me lembro da menina medrosa de muitos anos atrás.
Hoje, sei que lidar com o escuro não exige somente coragem, mas um profundo amor por mim mesma e por tudo o que está ao meu redor. Na luz do dia, não havia medo, tudo estava ali, já revelado. Árvores e arbustos da casa onde cresci não ofereciam perigo. À noite, qualquer coisa podia sair das folhagens, inclusive monstros e extraterrestres. Temia o que estava dentro de mim, os monstros que eu mesma criava, sem jamais imaginar que todos estavam sob minha direção.
Cresci mais e, tive alguns arremedos de rebeldia, sempre associados a causas como política e obras sociais, movida por paixão e ideologia desde muito cedo. O que predominava, no entanto, no meu jeito de ser, era a cordialidade, a amorosidade, a meiguice e a obediência às normas. Era uma adolescente modelo, com boas notas, frequentadora das missas e do programas da igreja, comportada nos namoros. Algumas amigas zombavam de mim porque não falava palavrões, não mentia pros meus pais e era incapaz de namorar escondido. Não andava no escuro. Tinha medo e, por conta disso, mantive as mesmas atitudes durante muitos anos.
Até que me vi impelida a encarar meus medos. O medo imobiliza e eu não queria passar a vida no mesmo lugar, com medo do “escuro”. Assim, descobri em mim energias que desconhecia. Sofri ao reconhecer a raiva, a mesquinharia, a descrença, a soberba e tantos outros sentimentos. E isso ainda não era suficiente, era preciso aceitar todos esses sentimentos e acolhê-los como parte imprescindível de mim. O meu lado escuro é inerente a mim, mas não precisa me dominar. Ele só quer receber atenção, revelar-se, ser integrado a quem sou.
Foi assim que acordei com vontade de rever Cisne Negro. Sob a emoção do suspense que permeia o filme, não pude perceber que ele, na verdade, exibe a luta interna de cada um de nós. Estamos presos às dualidades, mas esquecemos que um oposto depende do outro para sobreviver. É o caso da luz e da sombra. Como existiria um sem o outro? Mas ninguém nos ensina que podemos ter raiva da pessoa que nos despediu, do homem que nos enganou, da amiga que contou uma história mentirosa para as demais. Não só podemos, como dificilmente conseguiremos domesticar nossos sentimentos. Da tensão equilibrada entre os opostos é que nos constituímos de forma plena e saudável.
Para mim, era mais fácil seguir as regras e assumir um papel de Cisne Branco. Para outros, a facilidade está em mergulhar no desconhecido, vivendo o papel de Cisne Negro. Difícil é olhar pra dentro de nós mesmos e aceitar que ambos precisam conviver, se quisermos ser inteiros.

“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”
Fernando Pessoa

4 comentários:

Anônimo disse...

Boa noite Mônica!Que bom que voltou a escrever.Gosto muito,linda a reflexão!
Quando criança tambem morria de medo de escuro.Acho que toda criança tem.
Ainda bem que com o tempo isso passa.Passou pra mim,logo que vi que não tinha ninguem pra me protejer,e tive que me virar,com medo ou sem!
Bjs querida.
Dirlene

Eliane disse...

Bom dia Querida Amiga! Ótimo texto!
Já é uma grande coragem revelar os seus medos! Acho que quando o revelamos, ele torna-se menor. Não podemos fazer com que ele nos domine.
O medo é inerente ao ser humano. Todos temos medo de alguma coisa. Uns mais, outros menos. Independente de sermos crianças, ou não.
Este filme Cisne Negro irei assistir sim!
Obrigada querida por sua sensibilidade e de não ter medo de ser corajosa!
Beijos e fique com Deus.
Eliane (www.corearte.com)

Felipe disse...

Parabens pelo post.

Psicologia Junguiana no final.

Gostei bastante.

Anônimo disse...

eu gosto porque e legal e bonito

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