quinta-feira, abril 21, 2011

Saindo da cama!

Acordo daquele mesmo lado da cama e lá vou eu para mais um dia; farei tudo igual. Chega! Eu preciso gritar “Para tudo!” de vez em quando. Olhar o vizinho no olho, ao dizer bom dia; prestar atenção às marchas do carro e à velocidade que conduzo com a aceleração; saborear a comida; e outras sei lá quantas mais ações que executo sem me dar conta, diariamente.
Mas há o outro lado! Há hábitos que persigo loucamente, com a esperança de, algum dia, inseri-los na lista das ações automáticas. Tem sido assim com a corrida: quero precisar dela e, sem perceber, torná-la indispensável ao meu cotidiano. Há dois meses, sigo um programa personalizado, da forma mais disciplinada que posso. Em meu planejamento pessoal, o próximo passo será entrar para a academia, que um dia esteve na minha lista de itens automáticos. Também quero transformar em hábito os posts do blog, a alimentação sem doces e frituras, a leitura diária dos livros da imensa pilha da minha cabeceira, o controle dos pensamentos negativos. Acredito que, com tudo isso, teria uma vida melhor.
Oops! Pensando melhor, em meio a essa confusão que faço entre a nobreza do hábito e a automatização da rotina, fico com a minha pessoal e intransferível liberdade de escolha. E com todos os conflitos com que a exerço! Quero a disciplina da corrida, mas não quero deixar de perceber meu corpo quando corro, com o respirar forte, a batida do coração acelerada, a força das pernas, o fato de ali me perceber viva. Da mesma forma, desejo uma alimentação saudável, mas sem abrir mão de eventualmente chutar o balde e comer uma coxinha de galinha ou uma barra de chocolate, reconhecendo que gosto das sensações que alguns alimentos produzem em mim.
Não acredito na vida sem prazer e há muitas teorias sobre o tema. Acho que Freud foi o percursor delas, mas vou deixá-las quietas agora. Quero que o desejo de conhecer mais acerca do meu trabalho e da vida me impulsione à leitura regular e me ajude a superar os trechos mais enfadonhos daquele livro que não consigo acabar. Ao mesmo tempo, quero me conceder fins de semana sem nenhuma leitura, acompanhando amigos ou simplesmente olhando para o céu e o mar. Pra mim, isso é vida!
Se o hábito faz o monge e o cachimbo deixa a boca torta, quero subverter ocasionalmente todas as ordens. Vou passar uma semana dormindo do outro lado da cama, só para me provocar. Vou organizar minha fila de livros, mas sem sobreaviso vou pular a ordem para priorizar um romance que estou sempre deixando pra depois e me entregar à leitura só pelo prazer de sonhar. Já me disseram que o princípio do prazer não pode reger uma vida saudável e bem sucedida, e é por isso que me esforço. Reconheço os bons efeitos de alguns hábitos e regras. Transformo em hábito a organização disciplinada da minha agenda. Desde que nada disso me impeça de cancelar todos os compromissos num dia eventual só porque decidi passar o dia com uma pessoa querida.
Nada contra os que mantêm vidas bem estruturadas, regradas e organizadas. Acho até que os invejo. Ataco, no entanto, o automatismo, que tira da vida o sabor e a espontaneidade. Se mudar o lado da cama é difícil, experimentarei dormir no chão, atravessada ou em outra cama. Até perceber e escolher como vou ocupar, não só a minha cama, mas todo o tempo precioso da minha vida.

* Cotidiano, de Chico Buarque

Um comentário:

Eliana disse...

Achei muito boa esta reflexão. Dá para transferir, alguma coisa, para nossas decisões,tendo sempre como objetivo uma qualidade de vida cada vez melhor. Ótima idéia colocar Chico Buarque cantando, de autoria dele, Cotidiano. Amo esta música........

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