terça-feira, abril 19, 2011

Mudando o lado da cama

Das duas uma: ou a cama de casal é muito grande para ser ocupada por uma só pessoa ou o hábito é algo mais difícil de ser quebrado do que eu pensava. Escrevo isso porque, numa noite de insônia, me peguei rabiscando em meu caderno, restrita ao mesmo lado da cama que ocupei por 22 anos. Já faz um ano que venho exercitando a ocupação plena desse espaço, mas ainda me pego pendendo para o lado que me coube, em um dos muitos acordos que fazem os casais.
Ocupar a cama foi um dos primeiros desafios que enfrentei depois de guardar a aliança. E não era pelo ato em si, mas por todo o simbolismo que a cama carrega para uma família. Até os filhos, em inevitáveis momentos, dividem-na conosco; desde o nascimento, nas noites em que a cólica ou a necessidade de amamentar parecem maiores que nós; nos dias em que o medo do escuro inunda o sono infantil; ou, ainda, quando uma doença nos faz levantar para verificar a temperatura e o estado geral mais vezes do suportamos.
Agora é diferente. Olho para cama sabendo que aquele espaço todo me pertence, e experimento novas formas de ocupá-lo, por mim mesma. Dormi com livros, computador, jornais, revistas, mudei o lugar do travesseiro, juntei novos travesseiros, abri os braços; mas, mesmo assim, acabo acordando do mesmo lado. Nessa fase, cada gesto tem um significado, e observá-los de forma distanciada chega a ser engraçado.
Não sei quanto tempo um hábito demora pra se formar, mas vamos combinar que a rotina é poderosa e, arrisco dizer, perigosa. Quando nos damos conta, pela força da necessária repetição cotidiana, estamos lá, com mais um item na lista das ações que automatizamos. E são tantos os itens dessa lista, que, muitas vezes, viramos autômatos, quase zumbis. Deitamos e nem percebemos, comemos e não sentimos o sabor da comida, cumprimentamos pessoas na rua sem olhá-las de fato. Ainda há quem diga, no fim do dia, às vezes, num tom de orgulho pelo dever cumprido: “hoje nem tive tempo de respirar”.
* Continuação amanhã!

3 comentários:

Patrícia Gonçalves disse...

Gostei do tema, escrever sobre o que representa a cama ou seu lado da cama na relação. Seu texto me isnpirou.

Sabe como durmo agora? Na transversal, rsrsr

bjs

Valéria disse...

Você exemplificou com exatidão o poder do hábito. Precisamos tomar muito cuidado porque ele pode confundir até nossos sentimentos... Parabéns!

Silvio Freire disse...

E agora, no dia em que você ceder um pedaço da sua cama para outro alguém, sempre estará cedendo um pedaço da SUA cama, sem perguntar "que lado você prefere?", como deve ter ocorrido na negociação original...quando você ficou com "o lado que me coube".
O alguém não terá a menor chance.
Já vi esse filme...
Beijos

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