sábado, maio 28, 2011

Não dá pra nos desligarmos de nós mesmos

Ela desligou o telefone. Não concordava com a minha opinião, então irritou-se, disse “tchau” secamente e, sem esperar resposta, encerrou a conversa colocando o fone no gancho, como se dizia na época em que todos os telefones tinham gancho. Eu não me incomodei, mas fiquei pensando sobre a dificuldade que todos temos de aceitar o diferente. Talvez porque, bem no fundo, naquele lugar que chamam de inconsciente, sabemos que o outro, independente do que faz ou pensa, é também um pedaço de nós. Ignorar, evitar e repudiar passam a ser, então, estratégias de defesa daquilo que não queremos como nosso.
Nem adianta fechar os olhos, fazer de conta que nada disso é verdade. Enquanto nos esforçamos por negá-lo, nosso lado “indesejável” continua lá, tão ignorante como a parte de nós que finge não reconhecê-lo. Se nada disso faz sentido pra você, pense naquele desejo que você considerou mais sórdido que passou por sua cabeça. Como eu, você deve ter negado rapidamente, dizendo: “cruzes, sai de mim, absurdo, esquece, isso não te pertence...” O pior é que esses pensamentos nos pertencem. Até podemos fingir que nos afastamos deles, mas eles voltam, de outra forma em outra situação. Chega a ser engraçado, se nos distanciamos de nós e ficamos observando nosso esforço mental em sermos bons e corretos ou o oposto disso tudo, como acontece com tantas pessoas do tipo “eu tenho que manter a minha fama de mau”.
O telefone desligou e eu me perguntei se eu também não estava, como ela, negando essa parte de mim que ela expressou e da qual discordei. Talvez. Mas eu não poderia opinar ou perguntar sobre o fato? De novo, talvez. Relacionamentos, tal como a vida, não seguem uma lógica, embora um amigo da área de exatas, jure de pés juntos que sim. Ouvir o que não se quer e falar o que se pensa constituem a base dos verdadeiros diálogos, mas quem consegue? É preciso muita maturidade, ou na falta dela, muito amor, para transpor os próprios limites. Com o telefone desligado, penso que é preciso mais que amor pelo outro: é imprescindível ter amor por si mesmo. Só com muita compaixão por mim, posso ser condescendente com tudo o que me compõe, incluindo o sórdido, o dúbio, o mau. Quando reconheço que além de luz, sou sombra, e que o outro – não importa qual seja – está dentro de mim, assim como eu nele, fica mais fácil conversar, sem desligar o telefone.
Da próxima vez que eu não quiser escutar alguém, vou dizer pra mim mesma: “fica, tem mais de você aí do que pensa.”

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